Nesta segunda-feira (06) vai ao ar na TV Globo, o episódio chamado “Mancha” do projeto ‘Falas Femininas – Histórias Impossíveis’, logo após o BBB 23. Lançado na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o projeto conta com três mulheres negras assinando o roteiro – Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza – e com as protagonistas Luellem de Castro e Isabel Teixeira, contando a história da relação da doméstica Mayara, e de sua patroa, Laura.
A trama apresentada pela emissora se passa no último dia de trabalho da empregada, após ter passado no vestibular e escolher se dedicar integralmente aos estudos. Porém, sua chefe, mãe solo de uma bebê, insiste que a jovem negra Mayara continue trabalhando em sua casa, desenvolvendo os acontecimentos recheados de suspense que compõem o episódio ficcional.
Uma das autoras conta como foi o processo e as reflexões responsáveis pela produção da narrativa. “A gente teve uma base de pesquisa que foi sobre os medos das mulheres, investigando como esse medo opera na mente humana. A gente entendeu que os medos mudam a partir da intersecção de raça, gênero e classe e a gente traz de uma perspectiva, o ponto de vista de mulheres negras. Então eu acho que essas histórias não estão tão distantes da gente”, diz Renata Martins.
Jaqueline Souza destaca que parte do processo também foi colocar um pouco dos próprios medos das autoras, na história, e como elas também conseguem se identificar com a Mayara, que é uma jovem negra. “Eu nunca fui empregada doméstica, mas eu consigo me ver completamente na Mayara. Eu já conheci muitas Lauras, e eu acho que a gente já esteve em muitas posições em que puxaram uma escada para a gente lembrar qual era a nossa posição dentro de uma relação, e a gente sobreviveu”.
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Para Grace Passô, o episódio contém uma série de debates sobre a estrutura do país, que fica mais evidente nas marcações temporais inseridas ao longo da trama. “O episódio consegue partir de uma situação muito reconhecível [a relação entre patroa e empregada] mas ao mesmo tempo ter a dimensão metafórica de falar de muitas outras coisas, e acabar falando sobre uma relação permeada por poder, e é um poder histórico”.
O trio de autoras também acredita que o episódio constrói um debate que conversa com vários tipos de mulheres, que partem de lugares diferentes, propondo de que forma as mulheres podem conversar entre si para que não se tornem agentes de violências umas com as outras. A cineasta e roteirista Renata Martins cita uma reflexão feita pela personagem de Luellem, para exemplificar uma das provocações feitas.
“A Mayara traz uma reflexão da Sojourner Truth, em que ela diz: ‘Eu não sou uma mulher?`. Isso é lá de trás, quando estavam em uma convenção feminista e as mulheres brancas estavam reivindicando o direito ao trabalho e ela diz que ela já trabalha, e questiona se ela não é uma mulher. Então o que é ser mulher? Como a gente se vê nessa sociedade?”, explica Renata.
E a roteirista Jaqueline Souza insiste na importância de dar voz às mulheres negras. “A gente teve uma perspectiva a respeito de mulheres e de feminino sempre muito branca, e a gente precisa falar sobre o que isso representa e trazer também o nosso ponto de vista, nossa perspectiva para o jogo”.
Para completar, Grace Passô ressalta é que a partir deste episódio, as pessoas podem se perguntar e questionar onde estão as empregadas domésticas na estrutura social do país e na história da teledramaturgia brasileira. “A forma de retratação desse trabalho, sempre foi muito mais uma retratação do trabalho do que de fato de uma pessoa. Então ainda tem essa camada”.
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Ao longo do ano, vão ao ar novos episódios do projeto, que celebram datas importantes para a luta de algumas causas sociais: Dia dos Povos Indígenas (‘Falas da Terra’), Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ (‘Falas de Orgulho’), Dia Nacional das Pessoas Idosas (‘Falas da Vida’) e Dia da Consciência Negra (‘Falas Negras’). E para Renata Martins, a diversidade por trás do projeto é sinônimo de esperança.
“Nós mulheres negras e cis estamos aqui, junto com mulheres indígenas, trans…e como a gente vai se impulsionar? Pois estamos em um outro lugar agora. Então acho que isso serve para inspirar”, finaliza Renata.
Direção e Atuação
A diretora do episódio, Everlane Moraes, afirma que a expectativa para a recepção do público é grande, ainda mais de alcançar o grande público, por serem duas personagens muito identificáveis, e explica de que forma a história foi contada.
“A gente sabe do que a gente tá falando, que é de uma maneira muito frontal embora muito delicada, muito sofisticada e com muita sensibilidade para tratar desse tema que é tão difícil de ser tratado que é real ferida do Brasil. Agente tá falando da conjuntura colonial em cima do corpo da mulher negra que está abaixo na pirâmide social, e chegar de uma maneira bela, estética e política”.
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A diretora também espera que a partir de “Mancha” o público possa parar para pensar no próximo passo para as mudanças. “A gente vai continuar conservando nossa herança? O que vamos fazer ao criar nosso filhos? A gente vai manter essa mesma estrutura, ou não? A gente vai deixar que o outro seja?”, questiona.
A atriz que dá vida a Mayara, Luellem de Castro, conta que a arte direciona muito as pessoas e movimenta o mundo, e acredita que levar esse debate para a TV aberta é uma chamada para uma conversa justa e muito importante.
“Eu tenho 27 anos e não me recordo de ter visto algo assim passar na TV aberta. Essa discussão sobre mulher, sobre raça e sobre classe com outro ponto de vista, chamando de um outro lugar. É incrível poder fazer parte disso e poder colocar as minhas questões”, afirma a atriz.
Luellem também conta que também reconhece essa personagem em sua própria história, e como ela carrega muita representatividade. “Minha vó foi doméstica, minha mãe foi doméstica e eu fui a pessoa que rompeu esse ciclo e foi trabalhar com outra coisa. Essa Mayara está na minha família, já foi amiga de escola. É um Brasil cheio de Mayaras”.
A atriz Isabel Teixeira, que dá vida a Laura, reconhece a importância de valorizar os desdobramentos da maternidade solo vivida pela sua personagem, mas destaca que o episódio demanda uma reflexão muito maior.
“No meio desse quadro tão amplo e cheio de potências, ainda tem essa pincelada né. E isso é uma questão, mas isso está inserido em outra questão que está pedindo um abalo sísmico na estrutura daquele prédio, para as coisas se movimentarem. Então eu acho que tem uma virada de ver que estou inserida em uma questão maior e preciso olhar para fora”, explica.
Assista um dos trailers a seguir:
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