‘Dia dos Povos Indígenas’ ou ‘Dia do Índio’: Saiba mais sobre a mudança

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Palmas/TO- Índios Karajá Xambioá se reúnem em área próxima a Aldeia Okara, onde as etnias brasileiras estão hospedadas (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Nesta sexta-feira, 19 de abril, o Brasil celebra o Dia dos Povos Indígenas. A data, anteriormente conhecida como “Dia do Índio”, foi renomeada pela Lei 14.402 de 2022. Essa mudança é vista como um passo importante para reconhecer a diversidade dos povos indígenas do Brasil e fortalecer seu papel na sociedade.

Segundo Inai’ury Pompeu, coordenadora da juventude indígena do Maranhão e cacique da aldeia Kwarahy na Terra Indígena Rodeador, a mudança do termo “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas” é fundamental para as comunidades indígenas. Para ela, isso traz mais visibilidade e reconhecimento ao usar uma nomenclatura verdadeira que reflete a identidade e diversidade desses povos.

Mudança na nomenclatura é respaldada pela Lei 14.402 de 2022 / Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

“O que a gente sabe é que Índio foi colocado pelos colonizadores assim que eles nos avistaram quando eles chegaram no Brasil, quando eles viram os primeiros indígenas e como eles estavam indo para a Índia e eles nos avistaram, então eles relacionaram a fisionomia, um pouco da aparência relacionada aos indianos e assim eles colocaram como índios. Então, quando a gente quebra esse tabu, colocando realmente o nosso nome, que é os indígenas, é uma grande vitória para nós, comunidades indígenas”, destacou.

Segundo Inai’ury Pompeu, a mudança na nomenclatura é impactante porque reflete a verdadeira identidade dos povos indígenas. Inai’ury destaca que o termo “índio” era confuso, pois parecia se referir a pessoas da Índia, ignorando a identidade única dos povos originários.

“A mudança impacta porque gostamos de chamar pelo que nós somos, e quando as pessoas tratavam a gente como índio, é como se estivesse tratando com um indiano, e a gente achava muito ruim isso, porque nós temos a nossa própria identidade”, explica a cacique que completa.

“E esse impacto é muito grande, principalmente em forma de fortalecimento das nossas comunidades e povos indígenas do Brasil, tanto os indígenas que têm dentro dos territórios, como também os indígenas que estão em contexto urbano, que são aqueles estudantes que saem dessa comunidade para estar nas cidades, buscando mais conhecimentos e trazendo para reforçar e fortalecer as comunidades dentro dos territórios”.

Para Yuri Costa, defensor público federal, professor de História do Brasil na Universidade Estadual do Maranhão e ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), a mudança de “índio” para “indígena” é fundamental.

Ele destaca que o termo “povo” reforça a origem específica, soberania política e jurídica dos povos originários. “Índio” tem uma conotação pejorativa e está associado a um equívoco histórico dos europeus sobre o território. Já “indígena” é mais apropriado, pois reflete a originalidade e a presença contínua dos povos originários neste território.

“O termo indígena é mais adequado porque, do ponto de vista da origem da população… do ponto de vista etimológico, indígena é aquilo que se opõe à alienígena, alienígena é aquilo que vem de fora, que é de outro lugar, que não é daqui, e indígena é exatamente aquilo que é originário deste lugar, aquilo que é e sempre que está, melhor dizendo, e sempre esteve nesse lugar, aquilo que é original dessas terras. Então indígena é um termo muito mais adequado do que a expressão índio, porque ele reforça a ideia de originalidade, de que os indígenas são povos originais e que sempre estiveram aqui”, afirmou Yuri.

O Censo de 2022 do IBGE revela que o Brasil tem 1,7 milhão de pessoas que se identificam como indígenas, representando 0,8% da população total do país. O Norte concentra 45% dos indígenas brasileiros, com destaque para o estado do Amazonas, que abriga 490,9 mil indígenas, ou 29% do total.

A região Nordeste possui 31% dos indígenas do país, com a Bahia sendo o segundo estado com mais indígenas, totalizando 229,1 mil pessoas. Além disso, indígenas estão presentes em todas as regiões e estados do Brasil, com 4.832 das 5.570 cidades brasileiras (86,8%) contando com moradores indígenas.

Yuri Costa destaca que, embora tenham ocorrido avanços no tratamento da história dos povos indígenas no Brasil, ainda há muito a ser feito. Ainda segundo o historiador, o país saiu de um estado de apagamento e invisibilização desses povos para uma visibilidade que ainda é permeada por preconceito e racismo. No entanto, começa a surgir uma compreensão maior sobre a cultura e os modos de vida indígenas, que foram negligenciados por muito tempo.

“É importante entender que o que predomina na história dos povos indígenas no Brasil é um quadro de genocídio, ou seja, de extermínio, de fato, dos povos originários, e de epistemicídio também, porque nós tivemos e temos, infelizmente, ao longo da história do Brasil, uma extinção física desses povos, mas também uma extinção da forma de entendimento deles do mundo. da cosmologia, ou seja, da maneira como eles entendem o universo, a natureza, as relações com animais, com plantas, com seres humanos”, pontua.

Então é também um extermínio da visão de mundo dos modos de vida deles. A gente tem tido algumas décadas de fato conquistas, há uma visibilidade maior, há um entendimento um pouco maior da complexidade que deve ser percebida quando se fala de povos originários, mas ainda muita coisa a gente tem aí a conquistar”, acrescenta Yuri.

A data do Dia dos Povos Indígenas surgiu nos anos 1940, em um congresso de antropólogos latino-americanos no México. No Brasil, o uso da data até os anos 1980 tinha uma abordagem mais ocidentalizada, associando-a a datas comemorativas com enfoque no consumo.

No entanto, durante a década de 1980, houve um questionamento sobre a data, com movimentos indígenas e organizações indigenistas propondo a expansão para uma semana de atividades. Além disso, houve esforços para corrigir o uso do termo “índio” e reconhecê-los como povos originários.

O historiador destaca que a colonização europeia, liderada por Portugal, impactou profundamente a organização política, social e cultural do Brasil desde o início do século XVI até a independência em 1822. Mesmo após esse período, a influência colonial persiste na atual visão de mundo e organização social.

No entanto, o século XX e início do século XXI trouxeram mudanças significativas na percepção sobre os povos indígenas. Houve um avanço na compreensão de sua presença histórica e atual, refutando a ideia de um vazio demográfico no Brasil à época da chegada dos europeus. Essa evolução na percepção contribui para o reconhecimento dos direitos e da luta política dos povos indígenas.

Indígenas Karajá Xambioá da Aldeia Okara – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“A superação da ideia de vazio demográfico, que é uma coisa que ainda precisa ser consolidada, avançou bastante, tal como a gente conseguiu avançar na ideia de que hoje os indígenas são apenas remanescentes, são os que sobraram. Acho que a gente consegue cada vez mais perceber a presença, hoje, atual, e não apenas do  passado de indígenas, inclusive do ponto de vista político, de sua organização e da luta por direitos. Então isso foi um avanço que deve ser destacado”, afirmou Yuri.

Inai’ury Pompeu reforça que é fundamental fortalecer e preservar os rituais, cantorias e a identidade indígena, especialmente em relação aos territórios tradicionais. Ela destaca que a invasão dos arredores e os impactos de venenos nos rios afetam negativamente as práticas culturais, como a escassez de aves para artesanato e caça para festas. 

“Então, o que precisa muito ser preservado é que a gente preserve o que a gente ainda tem, e que as pessoas que estão de fora não nos julguem e valorizem, porque toda cultura, toda religião deve ser respeitada”, afirmou Inai’ury.

A ativista conclui que é essencial que o governo e a sociedade reconheçam e respeitem os direitos dos povos indígenas, implementando o que está previsto em lei. Ela defende uma educação escolar indígena diferenciada, inclusiva e específica, assim como uma valorização da saúde indígena, incluindo a medicina tradicional.

Além disso, pede uma maior integração da cultura indígena nas escolas fora das comunidades e na cidade, para que a sociedade conheça, respeite e valorize a cultura indígena, contribuindo para a preservação da vida e do meio ambiente.

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“Que as cidades e o Estado, eles abraçam e conheçam um pouco da nossa cultura para estar repassando também e dizendo para as outras pessoas o quanto nossa cultura é importante e o quanto isso valoriza a vida. Até porque o ar que nós respiramos é porque ainda existe território indígena”, concluiu.

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Lucas Santos

Lucas Santos

Lucas Santos é estudante de comunicação social, com habilitação em Rádio e TV pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ingressou na TV UFMA em novembro de 2022, trabalhando na produção de pautas jornalísticas e reportagens. Em junho de 2023, começou a estagiar na TV CIDADE, afiliada da RECORD. Atualmente, Lucas continua trabalhando com jornalismo diário na TV UFMA, exercendo a função de produtor e repórter. Além disso, faz trabalhos com fotografia, gerenciamento de redes sociais e redação.

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