O Dia dos Povos Indígenas é celebrado nesta sexta-feira (19), data que comemora a luta pela manutenção dos seus direitos e o combate aos preconceitos e estereótipos que ainda persistem. Atualmente, cerca de 255 Terras Indígenas tiveram o processo de demarcação iniciado, mas não finalizado. O afro-indígena Benício Silva de Paiva falou sobre esses processos em entrevista ao Notícia Preta.
“Para mim, é claro que esses 255 processos não avançam porque a ambição desenfreada do homem branco, que detém o poder da caneta, não vê vantagem para eles. Seu único interesse é continuar conferindo morosidade a esses processos, até que eles vão diminuindo e chegue um período em que não haja mais resistência, mas sempre Haverá”, informou Paiva.
Ele ainda completou, dizendo que “em face a essa morosidade, os originários sofrem ataques de garimpeiros, fazendeiros e madeireiros que encontram normativas com seus políticos de estimação para roubarem o pouco de terra que os povos originários, irmãos da natureza, ainda têm para chamar de lar”.
Demarcações de terras
Vale destacar que as demarcações de terras possibilitam os limites físicos das terras pertencentes aos povos originários, visando protegê-los de possíveis invasões e de ocupações por parte dos não indígenas. Assegurar a proteção desses limites é, também, uma forma de preservar a identidade, o modo de vida, as tradições e a cultura desses povos.
O empreendedor também pontuou sobre essas demarcações. “Os povos indígenas veem essa demarcação primeiramente como um desrespeito à dignidade da pessoa humana de um povo que já habitava essas terras e a tem como parte da família, antes dos portugueses chegarem aqui para explorá-la”, disse Benício.
Para ele, o sentimento de revolta ainda segue vivo, tendo em vista, toda a história de violência e genocídio que o povo indígena viveu desde a chegada dos europeus no Brasil até atualmente, com a atuação de garimpeiros em suas terras, por exemplo. “Hoje, a sociedade brasileira deveria ter consciência que esse povo, ainda aldeados merecem ser protegidos e amparados de forma digna, com respeito e sim, reverência, pois são os poucos remanescentes no mundo, com seus usos e costumes ainda originários”, informou.
Políticas públicas
As políticas públicas são essenciais para assegurar os direitos da população indígena. Para Benício, é necessário que primeiro haja uma ressignificação no que diz respeito à terminologia de identidade da população brasileira. Já que a maioria dos brasileiros é descendente de afro-indígenas.
“Sendo assim, no lugar de sermos nomeados ‘pardos’ deveríamos todos assumir a terminologia Ancestral e hereditária correta! E assim, honrar a quem tem honra, sabendo de onde viemos, compreendendo o Presente para termos um futuro melhor, com menos violência, mais seguro e saudável para todos, e não o termo dado pelo Invasor, opressor, ambicioso, manipulador, estuprador e genocida!”, acrescentou.
Conforme Paiva, em segundo lugar, a sociedade deve adotar uma cultura sócio política de proteção célere, pois os originários que vivem, resistem têm muito a nos ensinar com as tecnologias, conhecimentos ancestrais. “Precisamos de mais representantes originários nos lugares de decisões políticas”, enfatizou.
Invasões
Os povos indígenas sofrem com invasões de terras desde 1500. O desmatamento e a exploração causados pelos madeireiros ilegais contribuem com a destruição desses territórios. Pensando a partir dessa perspectiva, o afro-indígena pontuou se sentir aflito ao perceber que esses territórios podem ser invadidos a qualquer momento.
“Me sinto aflito e incapaz. Porém, me uno aos meus parentes, mesmo não sendo aldeado, para lutar e fortalecer aqueles que ainda preservam os usos e costumes dos nossos ancestrais, com os pés na Terra e corpo Pintado e revestido com elementos da nossa Mãe Natureza”, acrescenta.
Identidade
O empreendedor ressaltou sobre o seu processo de identificação, de como ele se enxerga enquanto sujeito afro-indígena. “Sou um afro-indígena brasileiro, descendente da resistência ancestral de dois povos que o pacto da branquitude não conseguiu Exterminar! Minha trajetória de luta começou quando me entendi por gente e não aceitei ser chamado de ‘pardo’, popularmente conhecido como cor de nada!”, enfatizou.
Ele ainda menciona que, por muitos anos, existia uma lacuna em sua identidade. “Até descobrir que tentaram me matar, apagar, mas não contaram com a astúcia e Sabedoria Onisciente, Onipresente e Onipotente de um Deus que escreveu minha história em meu DNA. Sou Benício Silva de Paiva, afro-indígena, nordestino, homem trans, empreendedor, cocriador. Um sobrevivente sonhador que rompe barreiras todos os dias para viver e agradecer por ser”, completou.
População
Conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), com base no censo de 2022, a população indígena do país alcançou a marca de 1.693.535 pessoas, o que representa 0,83% do total de habitantes. Inclusive, pouco mais da metade (51,2%) da população indígena se concentra na Amazônia Legal. Ainda segundo o senso de 2022, grande parte dos indígenas do Brasil (44,48%) concentra-se na região Norte. Com aproximadamente 753.357 indígenas.
Em sequência, aparece a região Nordeste, com 528,8 mil, concentrando 31,22% do total do país. As demais têm a seguinte distribuição: Centro-Oeste (11,80% ou 199.912 pessoas indígenas), sudeste (7,28% ou 123.369) e sul (5,20% ou 88.097). Vale destacar que a maioria dos povos originários (63%) vive fora das 573 terras oficialmente demarcadas pela Funai.
Idiomas
O território brasileiro abriga hoje somente cerca de 20% das estimadas 1.175 línguas que existiam em 1500, quando os europeus invadiram o Brasil. Por outro lado, o nosso país não reconhece nenhuma das diversas línguas indígenas como oficiais em âmbito nacional. Com base no censo de 2010, contabilizou-se 274 línguas indígenas no Brasil. Atualmente, estima-se que existam mais de 160 línguas e dialetos falados pelos povos indígenas brasileiros.
Além disso, há muitos povos e indivíduos indígenas que falam e/ou entendem mais de uma língua. Inclusive, numa mesma aldeia, falam-se várias línguas. Considerando essa diversidade, apenas 25 povos têm mais de cinco mil falantes de línguas indígenas.
Apurinã, Ashaninka, Baniwa, Bará, Chiquitano, Guajajara, Guarani, (Ñandeva, Kaiowá, Mbya), Galibi do Oiapoque, Inagarikó, Huni Kuin, Kubeo, Kulina, Kaingang, Mebêngôkre, Macuxi, Munduruku, Sateré, Taurepang, Terena, Ticuna, Timbira,Tukano, Wapichana, Xavante, Yanomami e Ye´kwana.
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