Desafios de mulheres negras empreendedoras: “O maior obstáculo é fazer as pessoas enxergarem valor no meu trabalho”

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Nos últimos anos, houve um grande crescimento do empreendedorismo feminino no Brasil. No entanto, com base nos dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), de 2023, as mulheres pretas enfrentam diversos obstáculos no que diz respeito ao processo de empreender. Essas empreendedoras lidam com entraves que acabam dificultando seus negócios, como por exemplo, a falta de acesso a recursos financeiros, rede de contatos e apoio, capacitações e falta de representatividade em espaços específicos. 

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Em entrevista ao Notícia Preta, a empreendedora Marcela Aguiar fala sobre os obstáculos que enfrenta como empreendedora negra, trabalhando com bordados no Município de São Bernardo (MA). “O meu maior obstáculo é fazer com que as pessoas enxerguem valor no meu trabalho, por ser um trabalho manual, detalhado e demorado, o seu preço surpreende e muitas vezes, não é enxergado tudo o que nele é investido“, informou.

Empreendedora Marcela Aguiar, do Maranhão /Foto: Divulgação

Conforme mostra um levantamento do Sebrae, cerca de 24% dos empreendedores brasileiros são mulheres pretas. Contudo, os negócios comandados por essas mulheres têm uma renda média 39% inferior em comparação ao rendimento de mulheres brancas e homens brancos. Vale destacar que o empreendedorismo realizado pela população negra é conceituado de afroempreendedorismo, que tem como intuito promover a igualdade de gênero e racial, além de impulsionar a economia do país. 

Marcela é formada em Licenciatura em Língua Portuguesa e começou a praticar o Bordado Livre em dezembro de 2020, mas só em março de 2021 que o “acolheu” como um trabalho. Ela ressalta que, a princípio, a intenção era apenas dar um presente feito por ela para uma amiga e nem imaginou que esse trabalho se tornaria uma fonte de renda. 

Além disso, a jovem de 27 anos também enfatizou a relevância do seu trabalho. “O meu negócio é importante porque pode gerar reconhecimento por se tratar de um produto artístico local, além de ser um trabalho único e exclusivo feito especialmente para determinadas pessoas”, explicou.  

Segundo os dados do SEBRAE, de 2023, as mulheres pretas enfrentam diversos obstáculos no seu empreendimento /Foto: Agência Sebrae

Marcela pontua que a razão que a levou a investir no seu próprio negócio foi o desejo por liberdade financeira e de tempo de qualidade. “Em muitos trabalhos CLT a gente não consegue fazer uso disso, além disso, também entrou o amor pelo trabalho manual, em um momento difícil da minha vida, eu já não tinha mais condições de continuar no meu antigo trabalho, então, ele foi também um socorro na minha vida”, ressaltou Aguiar.

Eu não tenho rede de apoio, hoje, é apenas eu para fazer tudo, mesmo que seja um negócio pequeno, envolve muito trabalho, e desde a produção da embalagem, até o momento da entrega do produto, quem faz sou eu. A importância dela seria no sentido de não sobrecarregar tanto, de dar segurança com relação ao financeiro também”, completou.

Em entrevista ao NP, Raynara Machado, de 29 anos, formada em Licenciatura em Sociologia, destacou a importância do seu trabalho com consultoria de imagem na cidade de São Bernardo (MA). Ela menciona que o empreendimento vai além de um simples serviço sobre imagem pessoal.

Hoje, esse trabalho é um mecanismo que gera autoconfiança e autoestima naquelas que passam pelo processo. Eu, enquanto consultora de Imagem, formada pelo Método Humanizado trago comigo não um simples serviço a oferecer, mas uma vocação de conectar a imagem e personalidade das pessoas, traduzindo quem elas são naquilo que elas usam e ressignificando o conceito de Beleza, trazendo também autonomia e autoconhecimento”, informou.

Empreendedora Raynara Machado /Foto: Divulgação

Machado enfatiza que pretende transformar vidas através do seu trabalho, trazendo qualidade de vida para o vestir das suas clientes e gerando nelas posicionamentos diante da comunidade em que estão inseridas.

Ela pontua que o que a motivou a empreender foi o seu desejo de trabalhar com moda. Um sonho desde criança. “Eu sempre quis fazer, só não sabia como viver disso aqui em São Bernardo. E descobrir a consultoria de imagem me fez ver que é possível sim”, enfatizou.

Raynara também menciona os empecilhos que enfrenta no seu processo de empreendedorismo enquanto mulher negra. “O reconhecimento da qualidade e seriedade do meu trabalho. A consultoria de imagem ainda é um campo desconhecido para São Bernardo, então fazer o processo de educar meu público e fazer com que vejam meu trabalho como algo significativo na vida das pessoas tem sido desafiador. É aquele velho trabalho de formiguinha, com paciência”, disse. 

Para ela, a família e suas amigas são o seu maior mecanismo de apoio e de força. “Ter com quem contar nesses processos iniciais é muitas vezes o meu fôlego para continuar, para me encorajar e fazer seguir adiante. Talvez sem eles, eu já teria desistido. São eles que me fazem acreditar em mim mesma, quando eu já não acredito, e que reconhecem meu trabalho quando eu já não consigo reconhecer. Ter uma rede de apoio é crucial nesse processo de desenvolvimento pessoal e de alcance de nossos objetivos”, afirmou.

 Ela ainda completou:

Embora a consultoria ainda não seja minha principal fonte de renda, tenho buscado constantemente alcançar esse objetivo, tendo como principal meio de divulgação o meu Instagram, a porta de entrada para que as pessoas conheçam um pouco do que faço. Tem sido desafiador, mas a verdade é que eu gostaria de ter começado há muito tempo, porque hoje é isso que me faz sentir realizada”, finalizou Rayane.

Vale mencionar que os dados da pesquisa do Sebrae foram norteados conforme as análises da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, referente ao segundo trimestre de 2022.

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Aline Rocha

Aline Rocha

Aline Rocha é Graduada em Licenciatura em Linguagens e Códigos- Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduada em Linguagens, Suas Tecnologias e o Mundo do Trabalho pela Universidade Federal do Piauí. É integrante do grupo de pesquisas: GEPEFop LAPESB- Laboratório de pesquisa Pierre Bourdieu: Análise sobre a prática pedagógica.Atuou como bolsista no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), na qual ministrou aulas de Língua Portuguesa nas turmas do 6º ano e 9º ano, tanto na modalidade regular como na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Entre 2018 a 2020. Atuou como bolsista Capes no Programa Residência Pedagógica, em que ministrou aulas de Língua Portuguesa nas turmas do 9º ano, 1º ano e 3º ano do Ensino Médio, entre 2020 a 2022. Atuou como monitora voluntária na disciplina de Linguística Textual, na turma 2018, do curso de Linguagens e Códigos-Língua portuguesa, na Universidade Federal do Maranhão. Atualmente é Professora da Educação Básica e pesquisadora Antirracista.

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