Crimes socioambientais criam periferias rurais, aponta levantamento

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A ONG Movimento Rio de Paz e moradores da Favela do Mandela em Manguinhos, na zona norte do Rio, em ato em frente ao rio Jacaré os manifestantes pedem a despoluição do mesmo(Tomaz Silva/Agência Brasil)

Nos últimos anos, a sociedade vive uma configuração complexa de faccionalização das chamadas periferias rurais – incluindo quilombos e aldeias indígenas. É o que mostra o novo boletim da Rede de Observatórios da Segurança Além da floresta: crimes socioambientais nas periferias, lançado nesta segunda-feira (19), na Universidade do Estado do Pará (UEPA).

Com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), observa-se um cenário que mostra que cada estado monitorado pela Rede (BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ e SP) entende e classifica esse tipo de crime de maneira diferente – exceto o Piauí que não forneceu dados.

A disputa por terras também é um dos crimes mais cometidos – Foto: Mario Vilela/Funai

Segundo o levantamento, as novas dinâmicas ocorrem especialmente em estados do Norte e do Nordeste: populações expulsas de áreas rurais migram para pequenas cidades próximas, criando as “periferias rurais”.

Além disso, regiões da floresta amazônica passaram a ser dominadas por facções de drogas famosas no Sudeste (CV e PCC), potencializando desde microcriminalidades como roubos de motos, furtos de celulares, até disputas simbólicas por mando territorial, combinadas com presença de armas de fogo e violências interpessoais.

Assim se apresenta essa uma nova realidade, tanto nas áreas de fronteiras, como nas cidades, aldeias indígenas ou terras de populações tradicionais. A Rede de Observatórios passou a monitorar os crimes socioambientais em resposta a todo esse cenário complexo.

Via LAI, junto às secretarias de segurança pública (e suas correlatas), buscamos dados sobre crimes contra populações tradicionais como indígenas e quilombolas e, também, sobre crimes socioambientais, como grilagem de terras, exploração ilegal de madeira, garimpo em áreas não autorizadas. 

Apesar de heterogêneos, os dados obtidos mostram a existência da ideia de ilegalidade da extração de minérios (garimpo), da ocupação de terra (grilagem), da derrubada de árvores (madeireiros), da pesca (peixes e caranguejos), do tráfico de aves, dos maus tratos a animais – além da pichação e da prática de soltar balões. 

Além disso, revelam que as informações da polícia podem encobrir camadas complexas quando empreendimentos legais expulsam populações de seus territórios e criam ambientes prontos para a exploração de facções.

A pesquisa mostra que, mais uma vez, a questão é atravessada pelo racismo e o encarceramento da juventude negra, na medida em que autoridades adotam um modelo de segurança pública baseado na guerra às drogas. É como a reprise de uma série de ações que nunca deram certo no contexto urbano. 

“É necessário fugir do modelo bélico do combate às ‘drogas’ e às ‘ilegalidades’. E, principalmente, estabelecer contenções ao tipo de desenvolvimento que destrói a vida na floresta. Mostra-se importante fortalecer os órgãos de prevenção da destruição e incluir no centro do diálogo organizações indígenas, rurais e ribeirinhas, além dos movimentos de periferia urbanos que lutam por direitos sociais”, explica Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança. 

Bahia

Os crimes socioambientais se concentram em locais específicos no Estado. Apenas seis cidades registraram mais da metade dos eventos: Porto Seguro, Salvador, Banzaê, Pau Brasil, Ilhéus e Itaju do Colônia representam 52,2% dos casos.

E o destaque são os crimes contra povos tradicionais. Foram 428 vítimas de violência no intervalo de 2017 a 2022. As ameaças representaram mais da metade (53,27%) das violações sofridas, seguidos das lesões corporais (22,66%) e das injúrias (12,15%). As principais vítimas foram mulheres (58%). 

Ceará

A pesquisa revela também que a produção desses dados pelo governo cearense é falha. “Recebemos como resposta um banco de dados apenas com crimes ambientais e poucas informações, de modo que não é possível analisar os tipos criminais, os grupos atingidos ou perfil dessas vítimas. Diante dos dados divulgados, constatamos 6.995 delitos ambientais registrados entre 2017 e 2022”, aponta o relatório. 

Maranhão 

Violações aos biomas nativos da região e exploração indevida dos territórios de comunidades tradicionais para fins lucrativos têm sido um grande problema no Estado. No intervalo de 2020 a 2022, o Maranhão apresentou um aumento de 28,93% nos registros de crimes ambientais, totalizando 2.568 registros no período. 

Há de se destacar a predominância dos crimes de maus tratos contra animais e práticas de poluição com danos à saúde humana. Ambos os crimes representaram 67,72% de todos os registros disponibilizados pela secretaria. Dos dez tipos de crimes socioambientais mais recorrentes no Maranhão, seis deles são ligados, de alguma forma, à exploração ilegal de madeira e à devastação de floresta nativa. 

Poluição é um dos crimes mais recorrentes nos Estados monitorados – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Pará

As informações conseguidas junto à Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (SEGUP-PA) revelam um aumento, ano após ano, dos crimes contra povos indígenas e quilombolas. Entre 2017 e 2022, foram contabilizadas 474 vítimas de crimes contra a vida, violações sexuais e patrimoniais.

Embora os crimes de roubo, furto e ameaça correspondam a 40,72% das violências contra quilombolas e indígenas no Pará, chamam a atenção as mortes ocorridas e a subtração violenta de terras (esbulhos possessórios). O estado também lida com questões como queimadas criminosas e desmatamento ilegal que alimentam o contrabando de madeira que, assim como o garimpo, se conecta ao trabalho análogo à escravidão, à violência contra as mulheres, à exploração sexual e ao narcotráfico. Ou ainda, a pesca ilegal do Pirarucu.

Pernambuco 

Os crimes socioambientais registraram aumento nos últimos dois anos, saindo do patamar de 800 casos por ano para uma média de mais de 1.000. As principais ocorrências foram incêndios florestais e maus tratos contra animais. 

A Secretaria de Defesa Social (SDS-PE) não nos enviou dados sobre violências contra quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais. 

Rio de Janeiro

O panorama apresenta dinâmicas complexas acerca dos crimes ambientais que acontecem em território fluminense. Seja pela exploração das milícias, pelas redes já consolidadas de tráfico de animais silvestres ou pela construção de empreendimentos com a autorização do estado. Como exemplo, temos a extração ilegal de areia em áreas protegidas pelo Ibama que é fornecida como material de construção para empreendimentos imobiliários da milícia.

Os dados disponibilizados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) apontam que, entre 2017 e 2022, ocorreram 21.476 registros de crimes ambientais no Estado – com um pico de registros em 2021 (4.648). O município do Rio de Janeiro apresentou o maior número de casos e, ainda, um aumento de 52,23% entre 2017 e 2022 – totalizando 4.783 registros.

Leia também: Estudo afirma que população negra é a mais vulnerável ao racismo ambiental

Esses patamares colocam a capital com um número sete vezes maior que a segunda colocada, a cidade de Maricá, com 684 registros. O terceiro município com mais casos é Duque de Caxias, com 613.

São Paulo

O contexto urbano de São Paulo compreende os crimes socioambientais em circunstâncias particulares ao Estado. A expansão da degradação de territórios verdes para fins lucrativos com tráfico de animais e construções imobiliárias, junto à guerra política iniciada contra as pichações, demarcam uma dimensão dos crimes socioambientais paulistas.

O total de casos entre 2017 e 2022 é de 34.772, com uma tendência de redução nos últimos dois anos. Salienta-se ainda que somente os delitos cometidos estritamente contra animais, florestas e pichações concentraram mais da metade dos registros (56,70%).

Sobre Rede de Observatórios 

A Rede de Observatórios atua na produção cidadã de dados com rigor metodológico em oito estados em parceria com instituições locais. É realizado o acompanhamento de indicadores de segurança junto a parceiros como a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, da Bahia; o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), do Ceará; a Rede de Estudos Periférico (REP), do Maranhão; o Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistência na Amazônia (TERRA), do Pará; o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco; o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (NUPEC), do Piauí; e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), de São Paulo.

O estado do Pará passou a ser monitorado em janeiro de 2023 e por isso ainda não possui dados que possam ser apresentados neste relatório. Já Maranhão e Piauí completaram o seu primeiro ano na Rede e por isso seus dados estão presentes pela primeira vez. 

Igor Rocha

Igor Rocha

Igor Rocha é jornalista, nascido e criado no Cantinho do Céu, com ampla experiência em assessoria de comunicação, produtor de conteúdo e social media.

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