63% das crianças vítimas de maus-tratos são negras, revela pesquisa

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Apenas no primeiro semestre de 2022, foram registradas 122.823 violações contra crianças e adolescentes e cerca de 84% delas cometida por familiares. Desse total, 63% das vítimas eram crianças negras.

Os dados constam no relatório “Prevenção da Violência Contra a Criança”, lançado pelo Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI). Com informações do Disque 100, serviço vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, a pesquisa apresenta um mapeamento da violência na primeira infância no Brasil e propõe medidas de combate a essas práticas.

Foto: Freepik

Entre os pontos de atenção, a publicação alerta para a violência contra crianças no contexto familiar: um risco real no Brasil, capaz de trazer consequências adversas graves ao desenvolvimento e ao comportamento das criança

“A violência contra a criança no ambiente familiar tem impacto negativo a curto, médio e longo prazos na saúde física e mental das vítimas e em suas práticas parentais futuras, o que pode levar a um ciclo intergeracional da violência. É preciso quebrar esse ciclo”, explica Maria Beatriz Linhares, professora associada sênior do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), coordenadora do estudo.

Violência dentro de casa

Segundo dados do Disque 100, em 2021, foram registradas 118.710 violações de direitos de crianças de 0 a 6 anos no Brasil. Em 2022, apenas no primeiro semestre, foram 122.823 registros, uma média diária de 139 denúncias de violações e de 673 registros de violações tendo crianças na primeira infância como vítimas.

Na maioria dos casos, os agressores eram conhecidos das crianças. Em 2021, 58,7% das violações foram realizadas pela mãe, 17% pelo pai, 5,5% pelo padrasto/madrasta e 3,6% por avós/avôs. No primeiro semestre de 2022, o índice registrado foi de 57% para mães, 18% para os pais, 5% padrasto/madrasta e 4% avós/avôs.

“É importante olhar para a proporção de tempo em que as crianças ficam sob o cuidado de figuras maternas e tratarmos com cuidado o dado sobre a maioria das agressões serem praticadas por essas mulheres”, alerta Linhares.

“Ou seja, ao não ponderar o tempo em que a criança fica com cada um de seus cuidadores, a percepção sobre o gênero dos agressores pode indicar maior ocorrência das figuras femininas justamente pela mãe passar mais tempo com a criança”, explica a pesquisadora.

Maus-tratos (15.127 casos), insubsistência afetiva (13.980 casos), exposição ao risco de saúde (12.636 casos) e tortura psíquica (11.351casos) foram os principais tipos de violência registrados no primeiro semestre de 2022.

A publicação também traz dados do Anuário Brasileiro de Segurança. Houve aumento nas taxas em todos os crimes registrados, sobretudo abandono de incapaz e maus-tratos. De 2020 a 2021 as taxas de abandono de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos, aumentaram de 13,4% para 14,9%.

Foto: Freepik

O abandono de incapaz se caracteriza não apenas pela criança deixada sozinha, mas também pela negligência em cuidados básicos, como saúde e educação.

Os índices de maus-tratos subiram de 29,8% para 36,1%. Dentro desse recorte, 62% das crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos têm entre 0 e 9 anos e 26% possuem entre 0 e 4 anos. Outro dado alarmante se refere à violência sexual: 61,3% do total de estupros são de vulneráveis (0 a 13 anos). Desses, 19,1% das vítimas estão concentradas na faixa de 5 a 9 anos e 10,5% na faixa de 0 a 4 anos.

Medidas de prevenção

Para minimizar a ocorrência da violência contra as crianças, a Maria Beatriz Linhares defende a implementação de programas de intervenção centrados na parentalidade. “Essas intervenções ajudam a prevenir a violência contra crianças na medida em que aumentam a compreensão dos cuidadores sobre o desenvolvimento infantil, diminuem o estresse parental e melhoram as práticas parentais com estratégias de disciplina positiva”, comenta.

Segundo Linhares, esses programas ainda reduzem os impactos da coerção e os problemas de comportamento das crianças. Além disso, eles ajudam a promover o desenvolvimento infantil nos primeiros anos de idade, e a quebrar o ciclo intergeracional da violência.

“Pesquisas indicam que independentemente do histórico de violência na infância, as mães que participam de um programa de parentalidade apresentam melhora nas práticas parentais”, completa.

Garantir equidade de oportunidades para reduzir ou eliminar desigualdades, fortalecer políticas públicas intersetoriais já existentes, buscar soluções com urgência para o problema da violência contra crianças, prevenir novos casos e manter um sistema atualizado de dados sobre notificação de casos de violência contra crianças nos âmbitos federal, estadual e municipal, separando por faixa etária, são outros exemplos de medidas que podem ser aplicadas.

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“Crianças expostas à violência estão submetidas a situações de estresse tóxico. Isso provoca alterações fisiológicas e psicológicas que podem interferir no funcionamento do sistema nervoso central em áreas relacionadas à memória, ao aprendizado, às emoções e ao sistema imunológico. Tais alterações podem trazer prejuízos que persistem até a vida adulta, contribuindo, inclusive, para o surgimento de doenças crônicas”, explica Maria Beatriz Linhares.

Além disso, a situação pode gerar agressividade, problemas de atenção, hipervigilância, ansiedade, depressão, problemas de adaptação escolar e problemas psiquiátricos como fobia e estresse pós-traumático.

“A violência representa um fator de caos no desenvolvimento infantil na medida em que provoca uma grande instabilidade estrutural e funcional permeada por conflitos e brigas, entre outras adversidades”, finaliza.

Igor Rocha

Igor Rocha

Igor Rocha é jornalista, nascido e criado no Cantinho do Céu, com ampla experiência em assessoria de comunicação, produtor de conteúdo e social media.

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