No ar em “Cine Holliúdy”, na TV Globo, interpretando Rosalinda como protagonista, a atriz Larissa Goés já havia recebido destaque antes ao viver a antagonista da novela “Velho Chico”. A cearense de 28 anos que faz do teatro e da arte seu trabalho e sua vida, começou a estudar atuação de forma despretensiosa, aos 10 anos, em um curso gratuito perto de onde morava, e desde então nunca mais parou.
Para Larissa, assumir esse lugar mostra um avanço, mesmo que a passos lentos, que é fruto de uma luta que continua. “A minha condição de mulher preta nordestina assume não só um destaque numa série de sucesso nacional, mas um lugar político de representação que me foi negado por muito tempo e ainda hoje é negado para tantas pessoas que hoje tentam viver de arte”, diz.
Mas tudo começou quando sua mãe decidiu a matricular em um curso gratuito de teatro em um espaço independente chamado “Casa da Comédia Cearense”, no bairro em que morava. Antes disso, Larissa diz que não tinha muita noção do que trabalhar com atuação, significava.
“Nunca tinha assistido a um espetáculo de teatro num palco de teatro. Essa ideia pra mim era inacessível em muitos níveis, desde o nível estrutural, quando não se é fomentado o interesse pelas artes cênicas na educação básica, até o nível prático mesmo, quando não se tem um equipamento de cultura próximo da minha casa”, explicou.
Depois que começou a entender o que era o teatro, continuou atuando em paralelo com outras atividades, até ter certeza de que a arte era o único caminho a se seguir. “Só aos 20 anos – dez anos mais tarde-, eu decidi tomar aquele rumo específico como interesse profissional. Eu fazia graduação em fisioterapia quando fui convocada para os testes da novela ‘Velho Chico’ e decidi abandonar o curso para entrar de cabeça na área da atuação”, disse Larissa.
Sobre seu trabalho em “Velho Chico” no papel de Luzia na versão mais jovem, Larissa Góes conta que foi um grande prazer, já que pôde aprender muito nessa primeira experiência na TV. “Felicidade imensa em ter tido a oportunidade de me unir a uma equipe tão calorosa que me ensinou muito não só sobre estar na TV, mas sobre generosidade. Eu entrei no projeto sem experiência alguma com as câmeras, mas com uma vontade imensa de estar ali, de me jogar em cena, me dispondo a aprender o tempo todo”.
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E foi nesse formato que Larissa diz ter tido mais projeção. “A TV tem uma capacidade de projeção enorme no país e ainda consigo ver como o meu trabalho ganha enorme valorização quando é acessado por este veículo”, diz ela que a representação que assumiu, foi negado à ela por muito tempo, e negado ainda hoje para muitas pessoas. Ela relembra inclusive de um teste que fez para um comercial de sandálias, no qual não passou.
“Dias depois eu soube que não havia passado e quando vi o comercial na tv, era uma menina da minha idade, branca de olhos azuis e cabelo liso que estava assumindo aquele lugar pro qual eu disputava. Na época eu não relacionava as coisas, mas hoje eu entendo que aquele era o perfil que eles procuravam para representar a marca de sandálias, então não importa como seria o meu desempenho naquele comercial, no fim das contas”.
Quando as gravações da novela acabaram, Larissa decidiu se aprofundar nos estudos de atuação. “Gosto de dizer que foi um divisor de águas”, diz a atriz, que logo depois filmou seu primeiro longa, e compondo o elenco dos filmes “Fortaleza Hotel” e de “Cabeça de Nêgo”, por exemplo. No audiovisual também já participou das séries “Meninas de Benfica”, na Globoplay, e de “O cangaceiro do futuro”, da Netflix.
Sobre as diferenças que sentiu do seu trabalho na TV com a gravação dos longas, Larissa cita por exemplo a novela como uma “arte aberta” já que mesmo tendo uma história principal, durante o processo de gravações os rumos podem mudar com as interferências externas, diferente do cinema, que ela diz a cativar de muitas formas. Mas Larissa, que também canta, participou de muitas peças e espetáculos ao longo de sua carreira.
Ela destaca que são artes com perspectivas diferentes, mas ambas a deixam fascinada. “Gosto da vitalidade que o teatro pode me proporcionar e paralelamente sou cativada pelo tempo que o cinema me traz de volta”, diz ela, que como pesquisadora na área e formada em licenciatura em Teatro, cada uma dessas abordagens são diferentes, e por isso exigem dela uma forma diferente de trabalhar sua arte.
“O exercício base da minha atuação é o da presença, seja em qual veículo for. A partir da presença, eu tento caminhar pelas linguagens que requerem técnicas diferentes. Quando estou de corpo-mente presente num palco de teatro, por exemplo, eu posso sentir a troca acontecendo naquele momento com aquele ambiente específico […] No audiovisual o equipamento é outro, então as relações também se fazem novas”, explica Larissa.
E com essas experiências, e a ocupação desses espaços, a atriz conta a potência de ter seu trabalho exposto a nível nacional. “Sinto que as responsabilidades de assumir determinados espaços e me fazer pertencente a eles vão para além de conseguir certa estabilidade profissional, e reconstroem minha estrutura social, que antes estava fadada à desesperança, e isso exerce um potencial de influência sobre pessoas que se identificam com a minha história”.
Com alguns projetos futuros em andamento, como um espetáculo sendo pensado para ser apresentado em vários lugares do Brasil, Larissa continua em novas possibilidades de fazer sua arte, já que segundo ela, suas lutas não estão ganhas e sua vida, “não está feita”. Mas ela segue lutando.
Para além da arte
A atriz Larissa Góes usou a arte para ir mais além do seu trabalho como atriz. Com sua formação em licenciatura em teatro, a artista também desenvolveu um longo histórico de trabalhos voltados para a comunidade surda, pensando na integração social por meio da acessibilidade e da arte.
Ainda com 18 anos, Larissa chegou a dar aulas de teatro para pessoas surdas no Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES) e em seguida deu aula para o mesmo público na Escola Filippo Smaldone, em Fortaleza. Em 2020, com a pandemia, fez uma oficina de teatro para surdos online e gratuita. A atriz que acredita que a defesa da acessibilidade é um “dever universal constante“, conta como tudo começou.
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“O trabalho com a comunidade surda aconteceu de forma muito espontânea na minha trajetória, mas tomou proporções excepcionais no meu modo de viver artístico e, simultaneamente, no meu modo de viver civil. Dialogar com as diferenças faz parte de uma visão de sociedade que eu tenho e acredito, e, através disso, podemos galgar novas percepções de mundo que sejam mais favoráveis e reparatórias”.
E fazendo disso uma missão, Larissa Góes deixa claro que isso precisa também, ser uma missão de todos para todos. “Para tomar como um simplório exemplo vou falar das rampas de acesso, enquanto não temos a necessidade de usar rampas para acessarmos determinados espaços, acabamos numa tendência forte à abstenção da reivindicação por este equipamento e é contra isso que, nós privilegiados pela não-necessidade, precisamos lutar”.