“Retratar o negro a partir do olhar do negro”, trabalho da artista Manuela Navas ocupa mural em Pinheiros

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Com sua arte que retrata o cotidiano e dá protagonismo para corpos negros e femininos, a artista Manuela Navas, 26, participa do Festival NaLata na capital paulista, cujo tema deste ano é Resistência. Uma das obras da artista que ocupa o bairro de Pinheiros em São Paulo tem como título: “Os que seguem o caminho do amor, encontram o caminho para casa”.

“Eu pinto há muitos anos, mas até 2 anos atrás trabalhava em loja. Pintava um quadro a cada 2 meses, nunca foi fácil, mas eu sempre fiz. Tanto para o homem quanto para a mulher negra ou indígena, eu vejo que, pra gente, é mais difícil”, relata a artista

Manuela durante a pintura da empena / Foto: Divulgação @navas_manuella

De Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, Manuela sempre trabalhou com sua arte, pintando quadros com cenas de seu dia a dia, mas até o início da pandemia trabalhava em uma loja. 

 “Eu não estou em aberturas, não conheço curadores, por ser mãe não consigo estar em muitos lugares, mas eu me posiciono continuando, a minha arte é isso. Eu faço todo dia porque é a minha verdade”, conclui.

Para Manuela, enquanto mulher negra, representar pessoas negras em seu trabalho é uma extensão de sua vida também, com referências em sua família e comunidade. “Como uma artista figurativa me veio retratar meu cotidiano, minhas memórias. Retratar pessoas pretas, independente da situação, é a única coisa que me cabe. É onde tenho mais proximidade, olhar minha mãe e minhas vizinhas, repassar o negro a partir do olhar de uma pessoa negra”, conta Navas.

“Eu coloco muitas cenas do cotidiano como um exercício filosófico, ao olhar coisas mais básicas do dia a dia e ver a beleza delas. Ver a beleza na crueza”, explica. 

“Tem uma pintura minha que é uma manicure e eu recebi muitas mensagens de pessoas falando ‘nossa minha mãe me criou assim’, páginas de manicure repostaram. A artista Teresa Cristina entrou em contato comigo e relatou que foi a primeira profissão dela, isso me emocionou muito”, relembra.

Mural

Com o tema Resistência, cada artista que participou do NaLata expressou a sua maneira na própria arte o que é resistir. A pintura de Manuela no festival chama-se Odo Nnyew Fie Kwan / Joy as an act of Resistance – Odo Nnyew Fie Kwan é um é um símbolo adinkra, presente no sapato a mulher da pintura, que pode ser traduzido como “Os que seguem o caminho do amor, encontram o caminho para casa”, o segundo título é “A alegria como ato de resistência”, em tradução livre. 

“Eu queria trazer algo que conversasse de forma mais positiva. Quando pensamos em resistência pensamos na luta, mas nós pessoas negras no Brasil de 2022, continuamos seguindo de forma positiva, trabalhando e nos divertindo, é uma forma de resistir”, explica. 

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“As pessoas retratadas são antigas, as roupas não são de hoje por exemplo, isso é para mostrar também que a gente resiste assim desde sempre. É só olhar para terreiros, velhas guardas do samba e tudo mais. Esse trabalho foi pensando nisso, resistir de uma forma positiva é ser muito forte!”, declara Manuela.

As diversas artes, localizadas em bairros estratégicos da cidade, formam um museu a céu aberto e são vistas por milhares de pessoas todos os dias. A artista ressalta a importância social. 

“Não é uma obra só como objeto de arte, eu queria passar uma mensagem para as pessoas. A cultura molda e sempre moldou. Pensar em algo gigante na maior metrópole da América Latina é uma responsabilidade. Participar de um festival de grafite, além da realização de um sonho, foi a chance de poder passar uma mensagem”, declara.

Manuela, que é mãe de uma menina de 3 anos, pôde levar a filha para os dias em que participou do festival e ressalta a importância dos espaços abertos para as mães. “ Espaços artísticos não são pensados para mães e nem crianças. Quando se quer trabalhar com uma mãe é necessário pensar em uma estrutura para dois. Minha filha teve até um cracházinho de artista”, ressalta a artista.

Futuro

Para Navas, as pautas e discussões negras terão evoluído muito nos próximos anos. “Consigo imaginar que os pensamentos das meninas do futuro serão completamente diferentes. Meu entendimento racial que ainda tem muito para evoluir, mas já evoluiu muito em poucos anos, é um exemplo de conversa que talvez pareça primitiva para as próximas gerações, porque elas estarão anos luz à nossa frente nessa discussão”, expressa. 

“Hoje em dia as crianças já têm orgulho do cabelo, por exemplo. Essa nossa discussão sobre mãe nos espaços de arte talvez nem vá ser mais uma discussão e sim palavra de ordem. Com espaços já previamente pensados em mães e crianças, sem precisar do embate. Teremos grandes avanços tanto na questão feminina, quanto negra, hoje estamos mais conscientes”, indica Manuela.

Com a participação de 14 artistas, a edição de 2022 do Festival NaLata começou em outubro e ainda está acontecendo em São Paulo e na França. A empena de Manuela Navas pode ser vista na rua Pedroso de Morais, nº 227 – Pinheiros, São Paulo.

Você sabe o que são símbolos adinkras?

As figuras Adinkras são um conjunto de símbolos da África Ocidental, mais precisamente dos países de Gana, Togo e Burkina Faso. Eles podem se traduzir em filosofias, normas e valores. Como no caso da obra de Manuela em que o símbolo escolhido significa “Os que seguem o caminho do amor, encontram o caminho para casa”.

Polianne Lima

Polianne Lima

Polianne Lima é estudante e estagiária de jornalismo na TV Cultura de SP. Nasceu e cresceu no fundão da zona leste e, apesar dos 25 anos, ainda não sabe andar de bicicleta.

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