Com a medida, o presidente não poderá deixar de seguir os tramites legais para indicação de gestores das unidades federais de ensino
O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolveu ao Palácio do Planalto nesta sexta-feira (12) a Medida Provisória (MP) 979/20, que concedia ao ministro da Educação o poder de designar reitores e vice-reitores temporários das instituições federais de ensino durante a pandemia de covid-19, publicada no Diário Oficial na última quarta-feira (10). Ao devolver a MP, Alcolumbre faz com que perca a validade.
A constituição proíbe a reedição, no prazo de um ano, de medida provisória que tenha perdido a validade ou que tenha sido rejeitada pelo Congresso Nacional. Consequentemente, o presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) e o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, precisam seguir os tramites legais para nomeação de cargos.
Após tomar a decisão de devolver a MP ao Palácio do Planalto, o senador Alcolumbre explicou em uma rede social a decisão, que alegou ser para “defender instituições”.
“Acabo de assinar o expediente de devolução da MP 979, que trata da designação de reitores, por violação aos princípios constitucionais da autonomia e da gestão democrática das universidades. Cabe a mim, como Presidente do Congresso Nacional, não deixar tramitar proposições que violem a Constituição Federal. O parlamento permanece vigilante na defesa das instituições de ensino e no avanço da ciência”, publicou Alcolumbre.
A MP 979/2020 desobrigaria a formação de lista tríplice para a escolha de reitores e vice-reitores durante a pandemia, sendo que os dirigentes designados pelo ministro da Educação deveriam atuar enquanto durar o período da emergência de saúde pública, mas os mandatos podem se estender “pelo período necessário para realizar a consulta à comunidade”, até a nomeação dos novos dirigentes. Os reitores temporários poderão nomear dirigentes dos campi e diretores de unidades. Sendo que, atualmente é necessário que haja consulta pública.
Antes da decisão de Alcolumbre, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), emitiu em nota que a medida era um “ataque à autonomia universitária” e solicitou apoio ao senado para que não fosse aceita com a justificativa de ser uma “agressão à democracia”.
“Trata-se agora de uma intervenção em nossas instituições, dando curso aos ataques à autonomia universitária e afrontando diretamente toda a sociedade brasileira. Temos, porém, a convicção de que o Congresso Nacional e a sociedade brasileira não serão cúmplices de tamanha agressão à democracia. Suspender eleições e escolha dos dirigentes universitários ou condicioná-las ao fim incerto do período da pandemia e, depois, pelo período subsequente necessário para realizar a consulta à comunidade, até a nomeação dos novos dirigentes, na dependência dos humores do Presidente da República, implica uma intervenção por tempo indeterminado, que tão somente revela um mal disfarçado pendor autoritário e uma chantagem política em desfavor da vida”, informa nota assinada pelo presidente da Andifes, João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Parlamentares de vários partidos, entidades estudantis e populares pediram que Alcolumbre devolvesse a MP ao governo. A constitucionalidade da medida também foi questionada por oito partidos (PSB, PDT, PT, PSOL, PCdoB, Rede, Partido Verde e Cidadania) no Supremo Tribunal Federal. Além de ser criticada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Em entrevista à GloboNews, Maia engrossou o coro de inconstitucionalidade da medida.
“Então, a minha opinião é que é uma matéria inconstitucional e que esse tema não deveria ser debatido por medida provisória. […] Você não pode editar uma medida provisória em cima de uma outra editada no mesmo ano, com muita conexão dos termos. Daqui a pouco você não tem mais necessidade de lei, vai editando uma medida provisória atrás da outra, com objetos parecidos, similares, e você tira completamente a relevância, a importância do parlamento brasileiro”, disse o presidente da Câmara.
Bolsonaro deixa de empossar reitora negra na Bahia
Em agosto de 2019 uma ação do presidente Jair Bolsonaro chamou atenção do país. Entre os membros que compunham a lista tríplice para a ocupação do cargo de reitor da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), o presidente escolheu o menos votado pela comunidade acadêmica. Fábio Josué dos Santos, 43 anos, empossado e se disse “surpreso” com a nomeação. Georgina Gonçalves, foi a líder da votação, com 17 votos.
A decisão não considerou a maioria dos membros do Conselho Superior da instituição (Consuni), circunstância inédita na instituição. Em consulta interna, apenas três votos foram atribuídos a Fábio, cinco foram para a outra figura feminina da lista, a professora Tatiana Velloso.
“É a primeira vez que o cargo é ocupado pelo terceiro nome da lista tríplice. Mas a legislação diz que o presidente tem livre escolha e não precisa se justificar. Fiquei surpreso quando recebi a notícia, sabia que havia uma expectativa da comunidade acadêmica pela professora Georgina, que teve a maioria dos votos”, relatou o Fábio Josué na época para o G1.
Caso fosse nomeada, Georgina Gonçalves seria a primeira mulher negra a ocupar o cargo. A situação revoltou a comunidade acadêmica. A Doutora Ângela Guimarães, conhecida no meio acadêmico e na luta pelos direitos humanos, escreveu em um artigo que a medida de impedimento da eleição de Georgina foi baseada no racismo, sexismo e LGBTfobia.
“Diante deste vultuoso currículo acadêmico, de todo seu contributo e dedicação à consolidação e expansão da UFRB e sabendo que mulheres negras docentes da Pós Graduação no Brasil são apenas 3% do conjunto dos docentes de universidades, dá pra achar que além de aviltar a autonomia universitária e os princípios democráticos de respeito à decisão do processo eleitoral, esta INTERDIÇÃO E IMPEDIMENTO de Gina a assumir o MAIS ALTO POSTO de direção desta universidade não teve motivação racista, sexista e Lgbtfóbica???? Infelizmente, esta tem sido a lógica do atual governo. Agredir, vilipendiar, desrespeitar e tentar silenciar mulheres, negras e negros, indígenas, quilombolas, a classe trabalhadora, religiosas/os de matriz africana, ativistas dos direitos humanos, lutadoras/es das inúmeras causas sociais”, completa a Ângela Guimarães.