“A sociedade brasileira precisa urgentemente incorporar o estudo da história africana”, diz especialista

image1170x530cropped-2-1.jpg

Neste sábado (25), é celebrado o Dia da África, data estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972. Em entrevista ao Notícia Preta, a professora e historiadora Vanicléia Silva Santos, que pesquisa a história da África e suas diásporas, e atua como curadora da Coleção de Arte Africana do Penn Museum da University of Pennsylvania, fala sobre o que o Brasil precisa aprender com a África.

Acesse nosso Grupo de WhatsApp clicando aqui.

A sociedade brasileira precisa urgentemente incorporar o estudo da história africana. Somente ao compreendermos as diversas sociedades africanas em diferentes períodos, incluindo suas lutas políticas, sociais e as histórias individuais de homens e mulheres, poderemos construir uma narrativa mais justa sobre o continente“, explica.

O Dia da África, comemorado no dia 25 de maio, foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972. /Foto: Omotola Akindipe – Acnur

Segundo a especialista, na história e cultura africana, diversos aspectos merecem ser valorizados e celebrados para transcender ao estereótipos e ao racismo, como “contribuições significativas em áreas como ciência, arte, literatura, filosofia, matemática, medicina, tecnologia e arquitetura” e também a diversidade cultura que ele possui.

A África é um continente extraordinariamente diversificado, abrigando uma multiplicidade de países, culturas, línguas e tradições. Reconhecer e valorizar essa diversidade é essencial para compreender a riqueza e a complexidade das sociedades africanas“.

O mesmo é afirmado pela historiadora Lívia Teodoro, que reafirma o continente como o berço da humanidade. “A África é um continente de imensa pluralidade cultural, linguística e histórica. Além disso, a África é parte integral do mundo globalizado, influenciando e sendo influenciada por dinâmicas globais. O Brasil precisa reconhecer e valorizar essa diversidade e a rica herança ancestral africana“.

Além disso, Vanicléia pontua que reconhecer essas contribuições “desafia a ideia de inferioridade racial e destaca o papel crucial da África no desenvolvimento global“.

Leia também: “O Brasil e o continente Africano são irmãos”: presidente do Benin anuncia concessão da cidadania a afrodescendentes brasileiros

Para ela, a resistência e a resiliência do povo africano também são pontos a serem valorizados. “Apesar dos horrores da escravidão e do colonialismo, a história das sociedades africanas é complexa e diversa. Suas lutas pela liberdade, justiça e igualdade devem ser reconhecidas e celebradas como parte integral da história africana“.

Lívia, que tem formação em História da África e afro-brasileira, destaca que a arte africana merece ser celebrada.

Durante minha graduação aprendi sobre artesãos africanos que, em resposta à demanda dos turistas por autenticidade, enterravam suas criações para dar-lhes uma aparência envelhecida. Isso ilustra como os estereótipos podem distorcer a percepção da cultura africana. Precisamos superar os estereótipos de pobreza e miséria. A cultura africana é rica em expressão artística, música e cinema”, conta a historiadora, que cita Nollywood, na Nigéria, que segundo ela é a terceira maior indústria de cinema do mundo, ficando atrás de Hollywood, clássico da Califórnia e Bollywood, da Índia.

Professora e historiadora Vanicléia Silva Santos, que atua como curadora da Coleção de Arte Africana do Penn Museum da University of Pennsylvania /Foto: Arquivo Pessoal

Mas apesar de tamanha riqueza, muitas vezes as produções, sejam elas artísticas ou intelectuais, não recebem a devida atenção e valorização. Vanicléia, que pontua a ênfase dada à história europeia em detrimento da falta de interesse pela africana, assim como o conhecimento sobre artistas africanos depender de passarem por circuitos norte-americanos e europeus, também ressalta que o mesmo acontece com as produções acadêmicas.

“Embora universidades africanas, como as de Marrocos, África do Sul, Egito, Moçambique e outros países, sejam de alta qualidade, muitos alunos ainda preferem fazer intercâmbio na Europa ou nos EUA. Mudar essa mentalidade é crucial para valorizar plenamente o potencial e a excelência que existem na África”.

Impacto de África no Brasil

Lívia, que afirma que a influência africana no Brasil é profunda e multifacetada, destaca particularmente o vocabulário e a música. “Palavras do nosso vocabulário como “bafafá” e “axé” têm origens que nos conectam diretamente à África. “Bafafá” vem do árabe “bafaf”, que significa bolo, enquanto “axé” é uma saudação que deseja paz e felicidade”.

A historiadora ainda diz: “A influência africana não é apenas um capítulo do passado, mas uma presença contínua e vital que enriquece nossa sociedade e nossa cultura. Celebrar essa herança e valorizar a história e isso é fundamental para construirmos um Brasil mais justo”.

Mas Vanicléia ainda aponta outras contribuições profundas da herança africana, para o Brasil. Ela cita a “tecnologia agrícola metalurgia (ouro e ferro) e cultivo de produtos como arroz”, cita também valores filosóficos e lutas pela liberdade. “Enquanto os colonizadores portugueses promoviam a escravidão, africanos no Brasil defendiam valores fundamentais como a liberdade e a igualdade. Suas lutas pela liberdade inspiraram movimentos de resistência e são essenciais para entender a história dos direitos humanos no país”.

A especialista destaca também a “introdução de novas religiões e luta contra a intolerância”, a literatura e oralidade como formas de transmitir seus conhecimentos e culturas, e as artes visuais e arquitetura, que segundo ela, trouxeram “uma estética vibrante e distintiva para o Brasil, contrastando com a monotonia da arte portuguesa”.

Assim, ambas as historiadoras concordam que a cultura africana é um pilar fundamental na formação da identidade brasileira, e da potência que ela possui.

Leia também: Chef João Diamante faz banquete para Lula e presidente do Benin, no Palácio Itamaraty

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

Deixe uma resposta

scroll to top