A regulação das redes sociais e a criminalização das fake news são caminhos para uma internet mais segura

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Por Lívia Teodoro*

Enfrentando a desinformação: regulação e criminalização em debate, considerando uma perspectiva racializada e antipunitivista

Este artigo explora esses temas e suas implicações para a sociedade brasileira considerando uma perspectiva racializada e antipunitivista.

A batalha contra a desinformação tornou-se um campo de disputa crucial para a preservação da democracia e da verdade. A regulação das redes sociais e a criminalização das fake news estão intimamente ligadas, ainda que por vias não tão óbvias, na luta contra a disseminação de informações falsas e prejudiciais.

Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou de “infodemia” o fenômeno causado pelo excesso de informações publicadas por todo tipo de fonte na internet. Muitas dessas fontes não têm credibilidade científica, dificultando que a população encontre informações confiáveis quando as busca.

Este artigo explora esses temas e suas implicações para a sociedade brasileira considerando uma perspectiva racializada e antipunitivista /Foto: Pexels

Um reflexo conhecido das fake news no Brasil está na saúde: a queda da cobertura vacinal do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Criado há mais de 50 anos, o PNI é referência mundial, mas hoje luta para restabelecer a adesão da população. Cada dia mais influenciada pela disseminação de informações falsas, a população resiste à promoção da saúde e à adesão ao pacto coletivo simbolizado pela vacinação.

Em entrevista à Agência Brasil em 2022, a médica Isabela Ballalai explicou que uma das estratégias usadas pelos grupos que disseminam fake news é a linguagem apelativa dessas comunicações. A especialista destaca as diferenças grotescas nas mensagens que assustam a população: “Toda vez que receber um post nas mídias de um médico renomado, de uma universidade conhecida, que fala coisas como ‘vacina mata’, ‘estão escondendo da gente’, coisas sempre muito alarmantes, desconfie. Nós, médicos, não falamos assim, não fazemos terrorismo.

Para combater esses efeitos negativos das fake news, diferentes estratégias estão sendo debatidas. Uma delas é a regulamentação das redes sociais, que visa combater a disseminação de fake news e conteúdos violentos, responsabilizando as plataformas pelo compartilhamento de informações falsas e prejudiciais. O Projeto de Lei 2630/2020 propõe medidas para monitorar e controlar essas atividades online, garantindo a segurança dos usuários e a responsabilização das grandes plataformas de tecnologia. A regulação visa equilibrar a liberdade de expressão com a necessidade de evitar abusos e proteger os direitos dos cidadãos.

Já o projeto que criminaliza fake news visava estabelecer a comunicação enganosa em massa como crime, punível com reclusão de 1 a 5 anos e multa. Isso incluía a promoção e o financiamento para disseminação de informações falsas. No entanto, o ex-presidente Jair Bolsonaro vetou essa criminalização na Lei de Segurança Nacional, argumentando que poderia cercear a liberdade de expressão e criar insegurança jurídica sobre o que seria considerado inverídico. No final de maio o Congresso Nacional manteve esse veto, impedindo a criminalização de fake news.

E COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI?

A onda política do conservadorismo, que ganhou força no Brasil com o Bolsonarismo, normalizou a criação e disseminação de notícias falsas, teorias da conspiração e informações mentirosas por meios digitais. Embora fake news existissem antes do Bolsonarismo, elas foram instrumentalizadas como ferramenta de governo e institucionalizadas por grupos de extrema-direita, que utilizam esse artifício para aumentar sua audiência, sempre bastante engajada com este tipo de material.

Com o aumento desse fenômeno, o campo progressista começou a se mobilizar em duas principais frentes: fortalecer a comunicação progressista acessível, com potencial viral e de fácil reprodutibilidade, e criar mecanismos legais que impeçam a livre circulação de informações falsas que, no limite, podem ser mortais.

No entanto, a saída encontrada por essa segunda frente é a criminalização. Embora o Código Penal brasileiro já preveja aproximadamente 300 crimes, nossa sociedade ainda funciona sob uma lógica punitivista que entende que aumentar as prisões é o caminho para a eliminação dos problemas. Porém, segundo o 14º Ciclo de Levantamento de Informações Penitenciárias, apresentado em setembro de 2023 pela Secretaria Nacional de Políticas Penais, a SENAPPEN, no primeiro semestre daquele ano, o Brasil já contava com uma população carcerária de 644.305 pessoas. Sendo que sua capacidade máxima naquela época era para comportar 481.835 pessoas, ou seja, a superlotação ultrapassa a casa dos 30% e, ainda assim, não nos sentimos seguros.

PRECISAMOS DE MAIS UM CRIME?

A população negra no sistema penitenciário brasileiro atingiu o maior nível já registrado desde o início da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em 2005. Conforme o anuário divulgado pela entidade em julho de 2023, em 2022, havia 442.033 pessoas negras presas no país, representando 68,2% do total de encarcerados — o maior percentual já observado. A prisão no Brasil está, de fato, reservada aos corpos negros. É possível mesmo afirmar que a criminalização das fake news levará à pena aqueles e aquelas que hoje ocupam espaços de poder e estruturam verdadeiros QGs de guerra para a disseminação de notícias falsas?

Por outro lado, a regulamentação das redes sociais parece buscar a solução pela via da educação e prevenção do cometimento de crimes. Crimes estes cometidos hoje graças à sensação de impunidade gerada pelas políticas parciais e pouco claras adotadas pelas redes sociais no Brasil. Enquanto as redes sociais podem subverter as leis brasileiras como bem entendem, ocultando informações sobre criminosos e a origem das milícias digitais, é possível mesmo afirmar que a punição criminal contra fake news vá atingir os cabeças dessas operações?

QUEM ESTÁ POR TRÁS DAS FAKE NEWS?

O perfil das contas políticas que espalham fake news denota uma organização orquestrada e um robusto orçamento financeiro que serve de suporte para essas operações gigantescas que não estão mais no submundo da internet. Pelo contrário, estão ao alcance das mãos de milhares de brasileiros e brasileiras que, ao serem bombardeados por desinformação, acabam por se tornar parte da engrenagem que espalha ódio e desinformação no país.

As fake news movimentam um mercado lucrativo no Brasil, e ainda sabemos pouco sobre a origem do dinheiro. Em 2021, a CPI da Pandemia apontou os empresários bolsonaristas Otavio Fakhoury e Luciano Hang, e até o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, como financiadores, líderes e porta-vozes das fake news no Brasil. No entanto, devido a relatórios pouco conclusivos, esses apontamentos não resultaram em punição.

Na última quarta-feira (29), em seu último discurso à frente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes destacou que o combate às fake news no Brasil é uma batalha em disputa e que “isso não só pretende corroer a democracia, como afeta a dignidade da pessoa humana”. Em sua fala, o ministro elencou os prejuízos causados por isso, como o número de casos de autoextermínio entre adolescentes, o distanciamento entre família e amigos, e como isso tem sido utilizado como ferramenta para levar políticos populistas e antidemocráticos ao poder por todo o mundo. O tema segue em franco debate dentro e fora das casas legislativas. E também dentro dos nossos círculos de amizades e casas. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca se viu envolvido num debate sobre fake news no grupo da família.

O Brasil segue aficionado pelo aprisionamento, mas se esquece que os mais afetados pela criminalização são as pessoas negras. Exemplo disso está no aumento alarmante da população carcerária com a política antidrogas adotada com mais força a partir de 2006 no Brasil.

Precisamos avançar no debate coletivo a fim de encontrar maneiras de coibir o espalhamento de informações falsas sem recorrer ao punitivismo. Claro que queremos ver todos aqueles responsáveis pelo espalhamento de mentiras que tiram vidas sendo punidos. No entanto, com a solução apresentada, é possível afirmar que os homens brancos, políticos e ricos deste país, muitos deles conhecidos por estarem envolvidos com milícias digitais, serão punidos por mais um crime no nosso código penal? A história nos ensina que as medidas punitivistas, mais frequentemente, atingem os mais vulneráveis, e não os verdadeiros arquitetos do caos informacional.

Em vez de ampliar o rol de crimes, talvez seja mais eficaz e justo investir em educação midiática, regulamentação responsável das plataformas digitais e políticas públicas que promovam a transparência e a ética na comunicação. A regulamentação tende a estrangular a economia das fakenews, que movimenta milhares de reais no país e segue sendo financiada por pessoas que detém poder e dinheiro. Somente assim poderemos construir um ambiente digital mais seguro e democrático, onde a verdade e a responsabilidade prevaleçam. Onde espalhar informações falsas não gere lucros e haja garantia de que os grandes responsáveis pelo espalhamento de notícias falsas sejam punidos, levando assim a solução do problema na raiz.

Lívia Teodoro é mineira de 32 anos, é comunicadora, influenciadora e historiadora graduada pela UFMG. Faz parte do time de influenciadores da primeira edição da Teia de Criadores. Com formação em História da África e afro-brasileira, também é pós-graduanda em jornalismo digital. Discute pautas de gênero, raça e sexualidade de maneira didática e objetiva para ser acessível a todas as pessoas

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