Mulher negra é grupo com menor representação no cinema nacional, aponta estudo

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Criminalidade, pobreza e ‘final trágico’ resume participação dos negros no cinema nacional, revela levantamento

Um estudo sobre representação no cinema brasileiro revelou que existe um padrão discriminatório e pouquíssima diversidade nas produções de maior sucesso nas telonas do país. A pesquisa é do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), com sede na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e apontou que o grupo menos representado no cinema nacional é o das mulheres negras. Nos últimos 24 anos, elas estiveram em apenas 4% dos elencos e não dirigiram ou roteirizam nenhum longa-metragem.

O estudo levou em consideração dados de bilheteria disponibilizados pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), entre 1995 e 2018. Foram analisados 240 longas considerados os “top 10” de cada ano. A pouca representação se traduz, também, em pouca diversidade nos papéis interpretados por mulheres pretas e pardas.

“Os negros, em geral, estão em cenas de criminalidade, são pobres e têm ‘final triste’. As mulheres negras estão quase sempre retratadas em relações familiares instáveis, em espaços de violência e tragédia social e nunca são representadas em filmes de romance. O papel que mais se repete quando falamos da mulher negra é o da prostituição e o da hipersexualização. Isso não reflete a diversidade da mulher preta no Brasil, mas reforça um estereótipo”, explica a coordenadora do estudo, Marcia Rangel Candido.

Além de estarem sub-representados, são associados a posições específicas na sociedade e trajetórias bastante similares. Há pouquíssima diversidade na representação dessa população”

Embora estejam em posição desproporcional com relação aos homens brancos, os homens pretos e pardos tiveram um desempenho um pouco melhor que o das mulheres negras. Eles são 2% dos diretores, 3% dos roteiristas e 13% dos personagens. Os dados revelam que existe um padrão discriminatório nas produções audiovisuais brasileiras. 

“Quando a gente observa a indústria, nos filmes que conseguem acessar a distribuição e estar nas grandes salas de cinema, vemos um perfil específico de inserção dos negros. Além de estarem sub-representados, são associados a posições específicas na sociedade e trajetórias bastante similares. Há pouquíssima diversidade na representação dessa população”, comenta a pesquisadora.

Homens brancos dominam a narrativa

As mulheres brancas também aparecem no estudo: elas assumiram 21% dos postos de diretoria, 34% dos roteiros e 34% dos elencos. Contudo, são os homens brancos que aparecem de forma majoritária nas funções mais relevantes do ponto de vista da construção das histórias. São 84% dos diretores, 71% dos roteiristas e 49% do elenco. Eles dominam a narrativa e contam com mais diversidade nas representações.

“Os homens brancos são representados em todas as classes sociais, de diferentes formas, ao contrário dos negros. Como eles são a maioria dos personagens, há também mais diversidade nos papéis em que atuam. A verdade é que existe uma elite branca que domina o cinema nacional. Eles são associados entre si e têm certa dificuldade de enxergar além daquilo que está no seu entorno. E o problema não é apenas a desigualdade social ou mesmo a falta de profissionais negros no mercado, mas a dinâmica estabelecida, que não é questionada”, pontua Marcia. 

Para a pesquisadora, a forma de fazer cinema no Brasil também contribui para esta pouca representação dos negros nas produções audiovisuais. “Vemos um cinema ainda muito dependente do apoio estatal. Por anos, o Governo demorou a entender que tinha que operar com recorte de gênero e raça para definir a distribuição dos recursos. Isso começou a acontecer recentemente, fazendo com o que o Estado também contribuísse para a manutenção dessa desigualdade”, argumenta. 

Como foi realizado o estudo 

Há seis anos, o Gemaa estuda a temática da diversidade no cinema brasileiro. São dois os objetivos: “primeiro fazemos uma análise mais panorâmica, para quantificar a presença dos grupos sociais nas funções mais importantes do cinema (diretor, roteiro e elenco), isso por causa da visibilidade que essas funções têm na mídia, não que as outras funções sejam importantes. A outra etapa é entender como os grupos sociais são representados. Assistimos os longas, identificamos coisas como o local que esses personagens moravam, qual o final deles, se era feliz ou triste, quais profissões exerciam. O objetivo é, além de mapear a desigualdade nas produções, entender suas causas e contribuir para o debate público, propondo políticas para saná-las”, conclui Marcia.  


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