Maíre da Silva, de 23 anos, tal como milhões de nordestinos, migrou do interior da Bahia para o Rio de Janeiro. Nascida e criada em Capela do Alto Alegre, zona rural que abriga cerca de 12 mil habitantes, Maíre narra os obstáculos que a impedem de ingressar na universidade e questiona o método avaliativo do ENEM.
As dificuldades começaram cedo: durante o ensino fundamental, apenas quatro disciplinas eram ensinadas, diferentemente das demais escolas municipais da capital baiana. A falta de recursos básicos, como água potável e luz, também impedia Maíre de estudar “A gente tinha que andar muito tempo até chegar na escola e quando chegava lá não tinha água tratada, mas eu bebia mesmo assim. Estudar só dava até uma certa hora, porque quando anoitecia, não tinha luz pra acender”.
O ensino médio foi mais uma barreira. Chegar à escola demandava tempo, já que a caminhada também era longa, apesar disso Maíre concluiu com louvor, em 2013, tornando-se parte dos 6,1% de nordestinos que estudaram pelo menos 12 anos, segundo o IPEA. Embora tenha se formado há cinco anos, esta edição do ENEM foi a primeira da jovem. A prova nunca chegou à Capela do Alto Alegre, então era necessário viajar até a cidade vizinha, porém o trajeto custava caro, o que a impedia de prestar vestibular. Com o sonho de alcançar melhores condições financeiras, Maíre saiu de Capela do Alto Alegre com destino ao Rio de Janeiro, no começo deste ano. Recém-chegada à cidade grande e sem seus familiares, a jovem do interior deu início em sua busca por emprego, e a procura foi variada, mas seu destino foi o trabalho doméstico, bem como os milhares de migrantes nordestinos que trabalham em subempregos. No auge de seus 23 anos, a jovem exerce atividades além da limpeza, tal como dar banho em crianças, arrumá-las para a escola e alimentá-las “É muito cansativo, mas é isso ou voltar pra Bahia, e pra lá eu não volto porque pelo menos aqui eu vivo bem com o salário, enquanto lá não tinha nada”.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, a chance de um aluno pobre entrar na universidade é de 2%. Com o salário, Maíre pagou um curso preparatório, e apesar de cansada, a vestibulanda confia em todo o esforço feito durante o ano, conciliando trabalho e estudo. Para ela, o tema da redação foi complicado. A jovem conta que, não fosse pelo texto motivador, não saberia que os mecanismos da internet manipulam o jeito com o qual o usuário navega, apesar de agora estar em um curso de informática. “Eu nunca estudei sobre isso, mas hoje eu sei a falta que a água limpa e a luz fizeram na minha vida. Minha cidade inteira só foi saber o que era rede elétrica há uns 8 anos e por isso eu nunca soube ligar um computador pra saber dessas coisas de Dados.”
A jovem não sabe como conciliará trabalho e vida acadêmica, mas está disposta a trabalhar mais cedo, para que consiga cursar a universidade no período noturno “Só sei que preciso fazer faculdade, porque não quero ser empregada a vida toda. Sou como uma escrava e o ENEM é minha carta de alforria”.