Por: Dra. Thatiane Awo Yaa – Médica de família e comunidade
Há aproximadamente um ano, o movimento de demissão voluntária chamado de “The Great Resignation”, ganhou notoriedade nos Estados Unidos, devido a um aumento bastante expressivo entre novembro e dezembro de 2021, chegando a 8,5 milhões de norte americanos. Este movimento acompanha uma onda mundial, que aumentou no período pós pandemia, e que acredita-se estar relacionado também ao síndrome de burnout, dado pelo esgotamento físico, mental e emocional causado por trabalhos estressantes, com jornadas exaustivas.
Em junho de 2022, a cantora Beyonce lança seu hit “Break my Soul”, que torna-se um hino para este movimento de simplesmente mudar o contexto profissional extenuante em detrimento de um propósito de vida com mais amor, lazer, tempo para si. E quem sabe, criar alternativas de trabalhos autônomos que possam gerar mais satisfação profissional e pessoal.
No Brasil, em março de 2022 constatou-se o maior número de pedidos de demissão dos últimos 5 anos. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) no Ministério da Economia, a renuncia aos trabalhos foi de 33%, totatilzando 603 mil pedidos, dos 1,8 milhões de desligamentos no período.
Sabemos que a situação socio econômica da população negra brasileira, é majoritariamente catastrófica em tratando-se de liberdade financeira. Dados do IBGE 2020, demonstram que da população que vive em grande vulnerabilidade social, como na extrema pobreza, 76,7% são pessoas negras, sendo as mulheres negras 39,8%. No caso da insegurança alimentar grave, 73,9% são pessoas negras.
Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas demonstrou que no primeiro trimestre de 2022, dos 49 milhões de mulheres negras com idade para trabalhar, somente 51,2% estava formalmente inserida no mercado de trabalho, e com piores salários e cargos; sobrando como alternativa os trabalhos informais, como por exemplo, vendedora ambulante ou diarista, com taxa de 43% em dita informalidade, número esse, superior à media nacional. Consequentemente, ganhando menos e com menos estabilidade. Portanto, a situação da grande maioria das mulheres negras brasileiras, é bastante desfavorável no mercado de trabalho, refletindo direta e negativamente na sua qualidade de vida.
Desta maneira, se por um lado temos um grande número de mulheres negras brasileiras em situação de desvantagem econômica, por outro lado, temos uma mulher negra globalmente reconhecida e admirada, entoando os seguintes trechos: “eu acabei de me demitir/vou encontrar um novo estímulo/caramba, eles fazem eu me esforçar tanto/eles trabalham meus nervos/é por isso que não consigo dormir à noite”. Com sua arte, Beyonce conseguiu traduzir essa insatisfação, que atravessa barreiras e afeta pessoas dos mais variados cargos e camadas sociais.
Entretanto, essa mobilidade de quebrar paradigmas vigentes nos quais estamos inseridas, interrompendo a cadeia de desconfortos que o ambiente de trabalho pode propiciar, não é para todes. Poder largar um trabalho fixo de carteira assinada para empreender seus sonhos e criar um novo rumo na sua vida. Poder parar, respirar, se rebelar e dizer “Você não vai despedaçar a minha alma”, infelizmente ainda é privilegio majoritário de uma população que não se parece com a maioria da população brasileira, e consequentemente não se parece comigo.
Thatiane Awo Yá é mulher negra, médica graduada em Cuba há 10 anos e atuante no Brasil, com especialização e residência medica em Medicina de Família e Comunidade, com ênfase em Saúde da População Negra, Ginecologia Natural, Medicina endocanabinoide, buscando associar essas praticas ancestrais de cuidado na manutenção da saude física, mental espiritual e emocional.
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