“O que aconteceu hoje não pode se repetir nunca mais. Tem que ter um acordo da sociedade… eu acho que qualquer pessoa digna vai abraçar o senso comum de que não existe qualquer sucesso numa ação onde mais de cem pessoas são executadas de forma brutal”, essa foi a fala de Raul Santiago, ativista de direitos humanos, sobre operação com recorde de mortes no Rio de Janeiro.
Em exclusiva ao Notícia Preta ele contou o drama que viveu atuando diretamente no resgate dos corpos. Em um relato gravado sob tensão, enquanto viaturas da Defesa Civil transportavam cadáveres ao fundo, Santiago detalhou a operação de busca que revelou a dimensão real da tragédia.
A operação policial nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, resultou em pelo menos 128 mortes, segundo levantamento feito por lideranças comunitárias e o resgate de corpos realizado por moradores. O número supera em mais do que o dobro a cifra inicial divulgada pelo governo do estado. O local conhecido como Vacaria, que interliga as duas comunidades, tornou-se o epicentro de um cenário descrito como “pós-guerra” por quem testemunhou a cena.
De acordo com ele, a percepção de que o número de mortos era maior do que os 64 inicialmente noticiados partiu dos próprios moradores. “Em algum momento a gente viu que os moradores estavam achando muito mais corpos”, contou.
A Travessia na Madrugada e o Cenário de Horror
Na madrugada, por volta das duas horas, Santiago atravessou do Complexo do Alemão para o Complexo da Penha, direcionando-se à Praça São Lucas, ponto de encontro central da região. Ao chegar, já havia cerca de 25 corpos no local. Foi quando recebeu a informação de que “pelo menos três carros com caçamba e muitos moradores” estavam na mata procurando mais vítimas.
“Então eu liguei para uns e outros parceiros que são advogados, uma pessoa que pudesse dar uma cobertura jurídica, e fui também para mata junto com um grupo de pessoas para tentar entender essa realidade”, relatou.
O que a equipe encontrou foi aterrador. “Logo de cara… a gente encontrou dois. Um corpo assim no cantinho de uma barricada, todos com tiro na nuca, né? Um deles com tiro nas costas também e uma marca que parecia desfaqueamento.”
A partir dali, iniciaram uma varredura estratégica. “Pelo menos no momento que eu tava, a gente achou em torno de 15 corpos, né? A maioria deles execuções sumárias, né, tiro na nuca, pessoas perfuradas por horas. Tinham duas pessoas com as mãos e os pés amarrados, né? Tinham uma pessoa sem cabeça. Então, tipo, era um cenário ali que mostrava a brutalidade daquele cenário.”

O Resgate e a Soma da Tragédia
O trabalho de resgate foi árduo. “Alguns deles estavam em regiões muito difíceis, foram horas para resgatar esse corpo, encontrar forma de trazer eles” Os corpos eram transportados para a Praça São Lucas, onde a contagem não parava de subir. Santiago chegou com aproximadamente 25 corpos e, no momento do relato, viu saírem “entre 57 e 60” apenas daquele esforço, somando-se aos 64 do dia anterior, totalizando as 128 vítimas.
Crítica à Narrativa do Estado e ao Governador
Em sua fala, Raul Santiago fez uma crítica contundente ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, que no dia anterior havia classificado publicamente as vítimas como “criminosos”.
“Isso é muito grave quando a gente tem a maior autoridade do Estado declarando culpados e atacando com essa violência. E a gente agora encontra mais outros 60 corpos, né, fica explícito que além de não haver sucesso nenhum… Mostra qual é a leitura da política de segurança pública de outros governos, mas em especial desse governo atual, para quem vive aqui onde a gente vive.”
O Luto e o Apelo por um Marco
Para Santiago, as vítimas não são números. “São cem pessoas que poderiam ser eu, poderia ser algum parente, poderia ser algum familiar, e com certeza são muitas pessoas que eu conheço.”
Enquanto falava, a realidade do “pós-guerra” seguia seu curso ao seu redor. “A gente está aqui agora, catando corpos, lavando sangue das ruas, consolando familiares, trocando ideia com as crianças que não foram para a escola mais um dia. Estão vendo todo esse cenário. Então, pós-guerra, o cenário, ele continua por muitos dias mais.”
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