Um recente estudo publicado na revista JAMA Psychiatry aponta para uma possível relação entre o consumo habitual de refrigerantes e a gravidade dos sintomas depressivos, especialmente entre mulheres. Segundo os autores, alterações no microbioma intestinal, com destaque para bactérias como Eggerthella e Hungatella, podem mediar essa associação, modulando processos inflamatórios e neuroquímicos que afetam o humor.
A pesquisa analisou amostras de fezes de 405 adultos (entre 18 e 65 anos) com diagnóstico de depressão, além de registrar diariamente o consumo de refrigerantes e o nível de sintomas depressivos. Os participantes registravam categorias de consumo que iam de “nunca” a “várias vezes por dia”.

Os resultados sugerem que, entre mulheres, um maior consumo de refrigerantes esteve associado a níveis mais elevados da bactéria Eggerthella e a sintomas depressivos mais intensos. Nos homens, embora o consumo fosse, em geral, maior, essa correlação não foi tão clara. Os autores atribuem essa discrepância a diferenças biológicas no microbioma, possivelmente influenciadas por hormônios sexuais.
Os pesquisadores afirmam não ter confirmado uma relação de causa-efeito robusta, mas chamam atenção para o risco potencial e para a necessidade de investigações futuras.
Consumo de refrigerantes no Brasil
O Brasil é um dos maiores produtores e consumidores mundiais de refrigerantes, figurando como o terceiro maior mercado global do setor, atrás apenas de EUA e China. O clima tropical, aliado a uma população numerosa jovem e ao aumento da renda, favoreceu historicamente o consumo de bebidas geladas e industrializadas.
Estatísticas de consumo
- Na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018), o refrigerante foi considerado a bebida não alcoólica de maior consumo per capita, com média diária de 67,1 gramas por pessoa.
- O consumo varia segundo a região: a média diária no Sul do país é aproximadamente o dobro da registrada nas regiões Norte e Nordeste.
- Segundo dados do Vigitel (pesquisas de risco em capitais), o percentual de pessoas que consomem refrigerante cinco ou mais vezes por semana vem diminuindo: de 26,2 % em 2012 para 13,9 % em 2021.
- Uma pesquisa de mercado revelou que cerca de 20 % dos brasileiros afirmam tomar refrigerantes todos os dias; entre esses, 9 % afirmam consumi-los várias vezes ao longo do dia.
O consumo é mais elevado entre adolescentes do que entre adultos e idosos. Embora ainda alto, o consumo frequente (cinco ou mais vezes por semana) de refrigerantes entre adultos tem mostrado tendência de queda ao longo dos anos.
Além disso, as bebidas adoçadas com açúcar (incluindo refrigerantes) estão associadas a fatores de risco em saúde pública, como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, temas amplamente investigados no Brasil.
Implicações para saúde mental e recomendações
A hipótese levantada pelos autores se apoia na chamada “eixo intestino-cérebro”, em que mudanças na microbiota intestinal podem influenciar estados inflamatórios, permeabilidade intestinal e produção de metabólitos, com efeito, neuromodulador. Quando há desequilíbrios, por exemplo, com excesso de bactérias associadas ao estresse oxidativo ou inflamação, o risco de sintomas depressivos pode aumentar.
Especialistas em nutrição e psiquiatria já há décadas chamam atenção para as dietas de elevada carga glicêmica e ultraprocessados como possíveis fatores coadjuvantes em transtornos mentais, embora a evidência causal definitiva ainda seja tema de debate.
Para o cidadão, algumas recomendações podem ser consideradas práticas preventivas:
- Reduzir gradualmente o consumo de refrigerantes (inclusive versões “diet” ou “zero”), priorizando água pura ou saborizada naturalmente (sem adição de açúcar).
- Aumentar o consumo de fibras, probióticos e alimentos fermentados para promover um microbioma intestinal mais saudável.
- Manter acompanhamento médico/psiquiátrico em casos de sintomas depressivos persistentes, avaliando fatores alimentares como coadjuvantes.
Este novo estudo traz evidências adicionais, ainda que exploratórias, para uma interseção entre consumo de refrigerantes e saúde mental, reforçando a necessidade de abordagens integradas em saúde pública.
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