No Brasil, a população negra luta pela efetivação dos Direitos Humanos e a contenção dos impactos históricos ocasionados cotidianamente em um país marcado pela escravização
O Dia Internacional pelo Direito à Verdade sobre as Violações dos Direitos Humanos e pela Dignidade das Vítimas foi celebrado na última quarta-feira (24) e a data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em lembrança ao Monsenhor Óscar Arnulfo Romero, um padre de El Salvador que lutava ao lado dos pobres e que se posicionou abertamente contra as repressões do governo.
No Brasil, segundo o Atlas da Violência de 2020, os negros são 75,7% das vítimas de homicídios e 72,7% dos pobres, conforme a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Além disso, sendo os negros 56,8% de população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a implementação dos Direitos Humanos se depara com a barreira da violência, da discriminação racial, historicamente estruturada no país, de acordo com o relatório da CIDH.
Trabalho escravo
De acordo com o Observatório Digital de Trabalho Escravo no Brasil, entre 1995 a 2020, foram resgatadas mais de 55 mil pessoas trabalhadoras submetidas a condições análogas à escravidão. Destes, apenas entre o período de 2003 e 2018, 54% eram pessoas negras, quase 10 mil estavam na faixa etária entre 18 e 24 anos, com escolaridade até o 5º ano incompleto (39%). “O Brasil foi o último país a abolir a escravidão em 1888. O racismo histórico tem relação com a escravidão, no sentindo que mesmo com a abolição da escravidão, e com a Constituição Federal que diz que todos são iguais perante a lei. Nota-se que na realidade essa estrutura racista ainda se mantém na sociedade quando, por exemplo, as condições de acesso à saúde e à educação são diferente entre negros e brancos”, explica Daguila da Silva, cientista social e mestranda em Antropologia social pela Universidade Federal de Goiás (UFV).
O percentual de negros em ocupações informais é de 47,4%, enquanto entre os trabalhadores brancos era de 34,5%. A população branca ocupada (com trabalho) ganhava em média 73,4% mais do que os negros. Dos considerados analfabetos, entre 19 e 24 anos, o índice atinge 33% em comparação aos 18,8% dos jovens não afrodescendentes.
Conforme o IBGE e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), 73,9% dos domicílios cuja pessoa de referência se identifica como negra (parda ou preta) se encontra no nível de insegurança alimentar grave, ou seja, quando há privação severa de alimentos entre todos os moradores da casa, podendo chegar à fome.
A Síntese de Indicadores Sociais de 2020 do IBGE apontou que 69,2% das pessoas que residem em domicílios com algum tipo de inadequação (como falta de saneamento básico, esgoto e condições mínimas de convivência), são negras. E ainda, o relatório do CIDH, aponta que 67% das pessoas em situação de rua no país também são negras.
Direito à Saúde
Entre as várias denúncias, a Comissão aponta o corte orçamentário de 20 bilhões de reais – após a Emenda Constitucional 95 aprovada por Temer e defendida pelo atual governo – na verba do SUS, ato que afetou diretamente os 80% dos brasileiros afrodescendentes que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS).
Tal ação surge como efeito cascata na pandemia da covid-19. Conforme o Informativo de Desigualdades Sociais e Covid-19, estudo realizado pela Vital Strategies com apoio do Afro-Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), houve um excesso de mortes pelo vírus, foram 27,8% para negros e 17,6 para brancos.
Ainda de acordo com o relatório da CIDH, considerando o acesso a espaços de decisão política, no processo eleitoral realizado em 2018, dos 1.752 candidatos eleitos para cargos eletivos em todos os níveis dos poderes executivos e legislativos brasileiros (municípios, estados federados e nacional), somente 27,86%, ou seja, um total de 488 pessoas, se reconheciam como afrodescendentes.
“Se faz necessário e urgente garantir e efetivar direitos humanos para a população, isso envolve a concretização de políticas públicas direcionadas para a população como a implementação de cotas raciais não só no âmbito educacional, mas na saúde com um atendimento humanizado. Ações como essas são medidas de reparação, pois proporcionam para população acesso a direitos básicos”, finaliza a cientista social.