Por Gabriela Araújo
Salas vazias, portões fechados, casas cheias e desigualdade escancarada. Há um ano, o Coronavírus assolou o mundo atingindo em cheio a educação, principalmente dos estudantes da rede pública de ensino, que não puderam contar com as aulas remotas. Seja por falta de acesso a tecnologia ou por falta de infraestrutura.
A educação básica encerrou o ano de 2020 com o menor orçamento e a menor execução orçamentária (dinheiro de fato usado) para o âmbito da educação, segundo dados do 6º Relatório Bimestral Execução Orçamentária do Ministério da Educação (MEC). Foram disponibilizados apenas R$ 48,2 bilhões. O montante é 10,2% menor do que o ofertado no ano de 2019 e o mais baixo desde 2010.
De acordo com o sociólogo e professor Everton Pereira, a falta de acesso dos alunos da rede pública aos aparatos tecnológicos é uma motivação sistêmica. “A gente vive sistematicamente com poucos recursos para a educação. O Brasil é um país que investe pouco na educação básica, então isso reverbera nesses lugares em que a desigualdade se acentua muito”, afirma o sociólogo.
Impacto Enem 2020
Devido à chegada da pandemia no país, aproximadamente 4,3 milhões de estudantes não brancos da rede pública de ensino foram forçados a deixar as salas de aula no ano passado, como é o caso de Ednei William. “Com a pandemia, ficamos a dez passos atrás dos outros alunos que tiveram aulas EAD (Ensino a Distância) em escola particular”, disse o estudante.
De acordo com as pesquisas realizadas pelo Instituto Península, 78% das redes estudais de ensino do Brasil optaram pelo fechamento das unidades escolares. O que ocasionou na falta de preparação adequada aos estudantes que iriam realizar o ENEM 2020.
Em virtude deste impacto, entidades como União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) reivindicaram a aplicação do exame ao MEC, que ocorreu nos dias 17 e 24 de janeiro deste ano. Visto que o certame visa reduzir a desigualdade do acesso ao ensino superior e não pode servir para ampliar a desigualdade, de acordo com o documento enviado pelos membros a Defensoria Pública.
De acordo com o sociólogo Everton Pereira, os vestibulares e processos seletivos geram mais exclusão do que inclusão. “Este é um marco que já fica bem nítido na realidade educacional, e com a pandemia isso se tornou mais evidente. Os jovens de escolas públicas tiveram poucos recursos para continuar os seus estudos, eles não tem essa formação que incluía o uso da tecnologia por circunstâncias econômicas e de investimento do estado”, disse Everton.
Tendo em vista que aproximadamente 60,3% dos estudantes autodeclarados negros ou pardos se inscreveram para a realização do ENEM, e foram impactados com as suspensões das aulas, por consequência, as chances de ingresso ao ensino superior desses inscritos são menores.
O estudante Ednei William, do Colégio Estadual David Mendes Pereira, localizado no bairro de São Marcos, em Salvador (BA); acredita que mesmo se tivesse aulas remotas, os alunos das redes estaduais ficariam prejudicados. “Na minha escola, as aulas remotas são os professores enviando as atividades pelo Google Chrome e a gente fazendo. Então, nós não temos muitas informações. Podemos estudar apenas por nós mesmos, mas estamos bem desmotivados e com o pé atrás dos alunos de escolas particulares e outros colégios públicos”, afirma Ednei.
Já a estudante Aline Braga do Instituto Federal da Bahia (IFBA), teve apenas dois meses de aulas remotas, o que diminuiu o seu rendimento no ENEM 2020. De acordo com a discente, a pandemia gerou a perda da sua rotina de estudos. “Eu senti dificuldade em manter a minha rotina de estudos, o meu colégio não teve a iniciativa de implantar as aulas remotas logo de início. Só consegui estudar faltando duas semanas para a prova”, relatou a estudante.
Para o professor e comunicador digital, Iago Gomes, uma das maiores dificuldades dos alunos da rede pública para garantir os estudos são as condições socioeconômicas, “tenho visto que na volta do ensino remoto agora na Bahia, muitos alunos e alunas que antes trabalhavam apenas um turno para poder estudar no outro, agora estão trabalhando em dois. Isso se deve ao fato de que muitos pais e mães ficaram desempregados neste período de pandemia e também o aumento das despesas de casa. Acredito que este seja o principal fator que interfere em todos os outros”, declara Iago.
Estado Solidário
O Governo do Estado da Bahia lançou o programa Estado Solidário que oferta aos estudantes da Rede Estadual de ensino, R$ 55 em vale alimentação e bolsas de R$ 100 para alunos que desejam realizar monitoria de estudos. Além de oferecer R$ 150 de auxílio emergencial para famílias com filhos matriculados na rede estadual.
Um dos critérios para o recebimento dos benefícios é a família estar cadastrada no CadÚnico e ter um filho matriculado na rede pública. A manutenção das bolsas está condicionada a garantia de uma frequência mínima de 85% nas aulas e a participação ativa de toda a família nas atividades e avaliações escolares, bem como os encontros de mães e pais.
Os alunos que optarem por ser monitores devem estar regularmente matriculados na unidade escolar em que irá realizar a monitoria, com média final igual ou maior a oito no ano letivo ou no trimestre anterior.
O intuito do programa é reduzir o abandono escolar e incentivar os alunos a retomar os estudos de maneira remota, que foi iniciado no dia 15 de março.
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