Ser viúva no continente africano é sinônimo de extrema vulnerabilidade econômica e social. Enquanto na Europa a viuvez está protegida por sistemas robustos de previdência e herança, na África 60% das mulheres viúvas não têm qualquer fonte de renda formal, segundo levantamento da ONU Mulheres e do Banco Mundial. Sem acesso à herança, pensões ou direitos econômicos básicos, essas mulheres são empurradas para o mercado informal, subempregos, mendicância e, muitas vezes, exploração sexual.
O dado evidencia um abismo social e econômico baseado em gênero, raça e geografia. Na África Subsaariana, a viuvez não representa apenas a perda do companheiro, mas a perda completa da segurança econômica. A ONU Mulheres estima que menos da metade das viúvas africanas consegue acessar bens ou heranças dos maridos após a morte, o que perpetua ciclos de pobreza e exclusão.

Desigualdade comparada: África x Europa
Em contraste com a realidade africana, na Europa o impacto da viuvez na vida das mulheres é significativamente menor. Segundo dados do Eurostat e de estudos de proteção social da União Europeia, cerca de 26% das mulheres viúvas recebem pensões de viuvez ou aposentadorias proporcionais, o que mitiga a queda de renda. Em 11 países europeus, como França, Dinamarca e Espanha, a riqueza líquida das mulheres se mantém relativamente estável após a viuvez, mesmo com a redução no patrimônio imobiliário.
No continente africano, o quadro é oposto. Além da falta de renda formal, as viúvas enfrentam violência patrimonial e social, segundo informações da ONU Mulheres. Práticas culturais como expulsão do lar, perda da terra, negação da herança e ritos violentos de luto, que incluem auto flagelo, ingestão da água do banho do corpo do marido e até relações sexuais forçadas com parentes do falecido, continuam acontecendo em diversos países do continente, de acordo com o órgão.
Esse cenário se agrava em situações de conflito, deslocamento forçado e crises sanitárias. Durante a pandemia de Covid-19, milhares de mulheres africanas ficaram viúvas e perderam qualquer acesso a pensões, contas bancárias ou proteção social. Dados do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) revelam que mulheres viúvas em zonas de conflito são até 70% mais propensas a sofrer violência sexual, incluindo estupros coletivos, mutilações e infecções como HIV/Aids.
O Instituto Loomba, que estuda a situação das viúvas globalmente, estima que mais de 115 milhões de viúvas no mundo vivam em pobreza absoluta. Dessas, pelo menos 86 milhões já foram vítimas de violência física. A maioria está concentrada na África e em países do Sul Global.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) também mostram que 84% das mulheres no continente africano trabalham na informalidade. Entre as viúvas, esse percentual sobe ainda mais, agravando a feminização da pobreza e tornando as mulheres negras africanas um dos grupos mais vulneráveis do planeta.
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Especialistas da ONU Mulheres e do Banco Mundial afirmam que enfrentar esse cenário exige políticas públicas efetivas, que garantam o direito à herança, à terra, acesso ao crédito, proteção social, pensões e inclusão econômica. A entidade defende também que as viúvas sejam incluídas nos processos de construção de paz em países que vivem ou viveram conflitos armados, como Sudão do Sul, República Democrática do Congo e regiões do Sahel.
A criação do Dia Internacional das Viúvas, celebrado em 23 de junho e aprovado pela Assembleia Geral da ONU, busca dar visibilidade a essa realidade invisibilizada. A data é um chamado global para combater não só a pobreza, mas também as estruturas racistas, patriarcais e coloniais que mantêm milhões de mulheres negras no continente africano sem acesso aos direitos mais básicos: moradia, terra, alimentação, renda, segurança e cidadania plena.