Na última quinta-feira (15), o padre Júlio Lancellotti publicou um vídeo no Instagram denunciando a violência policial contra pessoas em situação de rua na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo. No registro, ele aparece ao lado de um homem que morava na área e afirma que essas pessoas não estão sendo encaminhadas para clínicas nem deixando o local por vontade própria.
“Diante de todo esse mistério de que todos desapareceram na área da Cracolândia e na área da Luz, eles estão ficando espalhados pela cidade. Dizer que todos estão em clínicas ou que foram para um lado ou pro outro não é verdade. O bonito é a autoridade assumir e dizer a verdade”, diz o padre.
Em seguida, o padre pergunta ao homem onde ele estava e por que deixou o local: “Eu estava na Cracolândia. Saí de lá por causa da opressão da polícia. Polícia vive batendo na gente. Manda a gente para um canto e outro e agora estão pegando e ameaçando a gente de morte”.

O padre também questiona se alguém ofereceu trabalho ou encaminhamento para uma clínica. O homem responde negativamente. Depois, ele em detalhes as agressões sofridas: “Eles batem na gente, jogam spray de pimenta, ameaçam a gente de morte”. Ao fim do vídeo, o padre faz um apelo às autoridades paulistas, critica o uso do termo “Cracolândia” e defende políticas de acolhimento:
“Eu só queria dizer aos senhores, senhoras que têm autoridade na cidade: vamos fazer essa cidade qualificada humanamente. Não adianta fazer propaganda política dizendo que a Cracolândia desapareceu. A Cracolândia não é um espaço físico, são as pessoas. Por isso que esse nome não é adequado. E nem pela agressividade, pela violência. Os irmãos precisam de acolhimento, não de violência”.
Outras manifestações
O movimento social Craco Resiste também se pronunciou sobre a situação. De acordo com a organização, a Prefeitura de São Paulo tem adotado uma política de dispersão violenta contra usuários de drogas e pessoas em situação de rua na região central: “A política não é nova, remete à Operação Dor e Sofrimento posta em prática em 2012 pela gestão do prefeito Gilberto Kassab. À época, a polícia era orientada a impedir que as pessoas permanecessem nas calçadas e provocou a formação do que parte da imprensa chamava de “procissões do crack”, vagando pelas ruas empurradas pelas patrulhas e viaturas”.
Segundo o coletivo, relatos colhidos em parceria com grupos de pesquisa da USP e da Unifesp apontam que houve aumento na violência das abordagens feitas pela Guarda Civil Metropolitana (GCM). Testemunhas afirmam que os guardas intensificaram agressões na cabeça e no rosto, além do uso rotineiro de spray de pimenta e da apropriação de pertences, como roupas e dinheiro.
Ainda conforme A Craco Resiste, a gestão do prefeito Ricardo Nunes, em conjunto com o governo de Tarcísio de Freitas, tem empurrado essas pessoas a uma situação-limite, com restrições de acesso à água, revistas vexatórias e humilhações diárias. O grupo denuncia que o que ocorre hoje nas ruas do centro da capital “chama-se tortura” e afirma que essa política já se provou ineficaz, cruel e cara para os cofres públicos:
“Precisamos de medidas que garantam direitos básicos, moradia, saúde, alimentação, higiene e lazer. Só assim deixaremos de fazer guerra às pessoas e poderemos buscar, de fato, uma solução para o centro de São Paulo”.

Em contrapartida, o vice-prefeito de São Paulo, coronel Ricardo de Mello Araújo, publicou um vídeo com trechos de uma entrevista concedida à revista Oeste, em que defende as ações do poder público. Segundo ele, o esvaziamento da Cracolândia se deu de forma gradual, após iniciativas da prefeitura envolvendo trabalho, saúde e educação.
“O governo da prefeitura de São Paulo vem trabalhando junto com o governo do estado há alguns anos, né? […] Eu assumi em janeiro como vice-prefeito. O Ricardo Nunes pediu para eu dar uma atenção na cena aberta de uso, conhecida pelas pessoas como Cracolândia. E eu quis entender, acho que pra gente poder entrar e dar algum tipo de palpite, a gente tem que entender. Então comecei a frequentar diariamente, conversar com os dependentes, com o pessoal da saúde, da assistência social, com as mães dos dependentes…”, afirmou.
O vice-prefeito afirma que, a partir dessa convivência, passou a observar pontos que poderiam ser melhorados, como a falta de atividades durante a internação: “Conversamos com as equipes, botamos professor de educação física para dar atividade. Começamos a ouvir os dependentes e a equipe médica, e ia criando soluções para os problemas que vinham aparecendo”.
Ele também destacou a necessidade de apoiar os pacientes na “porta de saída” do tratamento, criando perspectivas reais de reinserção social: “Depois que ele faz o tratamento, fica naquela esperança: ‘Tô curado, e vou pra onde?’ Aí vi a importância de interligar com a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento. Comecei a levar o CATE (Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo de São Paulo), com uma base móvel que oferece empregos para as pessoas. A prefeitura faz parcerias com empresas que têm vagas abertas,não cobra , e dá oportunidades e esperança para os dependentes.” O vice-prefeito, diz, por fim que o acompanhamento diário e o trabalho conjunto entre estado e município vêm mostrando resultados: “Todo dia, estando lá na cena aberta, a gente começou a perceber que, mês a mês, o número de casos ia diminuindo“.
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