Criado pela dupla baiana, o curso de semiótica antirracista reflete a necessidade em questionar o discurso midiático
Quando em uma matéria a pessoa acusada de um determinado crime é chamada de jovem, apontada como suposto envolvimento ou que estaria fazendo um “delivery de drogas”? Com o intuito de popularizar o conhecimento que aprimora o olhar e a reflexão de como o racismo opera em diferentes estruturas, e isso inclui os meios de comunicação, os jornalistas e acadêmicos Bruna Rocha e Cássio Santana, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), criaram o minicurso Semiótica e Racismo na Mídia Brasileira.
“O que nos motivou a criação do curso de semiótica de mídia e racismo no Brasil foi a necessidade de popularizar e democratizar o conhecimento que a gente já vem acumulando nas nossas vidas acadêmicas individuais, em nossos grupos de pesquisa e ao mesmo tempo promover um espaço de encontro com profissionais de comunicação comprometidos com a luta antirracista. Tem o sentido de trazermos uma disciplina que historicamente foi hegemonizada por pessoas brancas em todo o mundo, que possui uma matriz europeia, para pensarmos problemas de outras ordens e populações, compreendendo o quão turva ainda é a questão racial no Brasil. A gente achou que poderia cumprir um papel interessante”, explica Bruna Rocha.
Segundo o levantamento da Rede de Observatórios da Segurança, divulgado neste mês, foram contabilizados mais de sete mil registros de ações policiais em jornais, sites, portais e mídias sociais durante o período de um ano. Porém, em apenas uma das notícias fazia menção à palavra ”negro”, o que evidencia que a mídia hegemônica não destaca ações policiais contra pessoas negras.
“Avaliamos que podemos causar transformações profundas, pois a semiótica é essa ciência dos signos que nos instrumentaliza para poder fazer a leitura das construções dos sentidos e isso nos fornece uma visão crítica tanto no consumo quanto na produção de produtos midiáticos. Aliar essa reflexão crítica filosófica e metodológica da semiótica a um princípio antirracista, a uma luta, um comprometimento de combate ao racismo, a gente acha que pode ser uma chave muito interessante para de fato avançarmos na comunicação no Brasil”, completa a jornalista.
Cássio Santana acredita que através do minicurso introdutório de semiótica, os alunos podem compreender que o discurso não é neutro e identificar as violências que pode representar cada palavra.
“Os instrumentos teórico-metodológicos da semiótica nos oferecem a possibilidade de analisar de que maneira os discursos midiáticos são construídos e como podem contribuir para perpetuar violências. O olhar semiótico é útil na medida em que permite desvelar violências, agressões e ausências. É necessário que a gente veja com mais atenção o que é produzido diariamente pelos meios de comunicação, especialmente os temas que nos dizem respeito, pretas e pretos. O discurso não é neutro, não é ingênuo. O discurso pode matar de fato, seja mantendo violências ou a fomentando, seja não dizendo o que deve ser dito. Os meios de comunicação têm uma função social. Eles estão cumprindo com esta função? A semiótica nos permite responder”, aponta Cássio Santana.
O debate sobre o racismo nos meios de comunicação não é recente, mas atualmente existe uma mobilização social, refletida nas mídias digitais, que questiona a comunicação hegemônica. É o que aconteceu no último final de semana, quando dois homens brancos foram presos em uma região nobre do Rio de Janeiro e uma parte da imprensa noticiou a prisão como “Dois suspeitos são presos acusados de fazer delivery de drogas na Zona Sul do Rio”.
Minicurso de Semiótica e Racismo na Mídia Brasileira abre turma extra para a terceira edição
O minicurso é um direcionamento introdutório, instrumental teórico-metodológico, para análise do racismo midiático a partir da Semiótica. As aulas da terceira turma, com vagas extras para essa edição, acontecerão nos dias 01 e 02 de agosto, das 16h às 18h. O investimento é de R$ 50 e possui emissão de certificado com carga horária de 4 horas.
O curso não deve voltar a ser ofertado em datas próximas, já que os facilitadores planejam a abertura de novos módulos. Os interessados podem preencher o formulário de pré-inscrição. Para mais informações, é possível entrar em contato através do e-mail: semioticantirracista@gmail ou através do perfil do curdo no Instagram.