Por Marco Rocha*
Para a classe política brasileira, as tragédias ambientais decorrentes da crise climática, a negligência na fiscalização ambiental, a conivência de todas as esferas de poder, parecem não significar absolutamente nada. Contabilizar vítimas fatais ano após ano, a destruição de histórias de famílias inteiras e o comprometimento do futuro dos mais jovens é irrelevante para aqueles que, uma vez eleitos, viram as costas para o povo que os elegeu.
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Já imaginou um dia ter que pagar para ter acesso à praia? Flanelinhas cobrando preços exorbitantes para um mergulho no mar? Pois é, parece uma ideia absurda, mas eu posso garantir que essa é uma possibilidade mais próxima do que você imagina. Tramita no Senado Federal, a proposta de emenda a Constituição (PEC) 03/2022, também conhecida como “PEC da Cancun Brasileira”, de relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Segundo o senador, é preciso flexibilizar o acesso ao litoral brasileiro pela
iniciativa privada, sobretudo a especulação imobiliária, para a construção de condomínios, praias particulares e resorts, daí o apelido de “PEC da Cáncun”.
Essa proposta é um enorme absurdo em vários níveis. A começar pela tentativa de alterar a legislação que estabelece uma linha de proteção de 33 metros a partir da linha de maré alta em todo o litoral brasileiro, rios e corpos d’água como lagos e lagoas. Estabelecendo essa área como parte da União, portanto de todos nós brasileiros e que está sob proteção da Marinha do Brasil. Seguida pela total falta de entendimento ambiental, uma vez que faixas litorâneas não servem para um propósito turístico ou de
ocupação para o lazer humano. Ao longo do nosso litoral há uma diversidade de ecossistemas que são estratos de Mata Atlântica, como as restingas, que formam um ecossistema endêmico brasileiro e único no mundo. Além de mangues, banhados, lagunas, lagoas e matas ciliares distribuídas nas dimensões continentais deste país.
Essa PEC 03, tem como objetivo principal, fomentar a exploração predatório do turismo em áreas de preservação ambiental, sem a necessidade de licença ambiental e com o favorecimento de empreendedores milionários dispostos a alterar de todas as formas possíveis o frágil equilíbrio ambiental que ainda temos. É importante que lembremos que o Brasil cresceu como país a partir do litoral e não é coincidência que, segundo o censo de 2022, mais da metade da população brasileira, cerca de 111 milhões de pessoas, vivem nas regiões litorâneas desse país. E não é preciso muito esforço para enxergar os danos ambientais provocados nessas regiões ao longo da nossa história.
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E, como nada é tão ruim que não possa piorar, também tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei, o PL 4.444/2012, do Deputado Isnaldo Bulhões (MDB/AL), propões que municípios litorâneos, cedam 10 % de seu litoral para a iniciativa privada. Numa manobra política descaradamente favorável a privatização de áreas que pertencem ao país e a todos nós. Mais um projeto de parlamentares autointitulados conservadores, porém, não passam de portadores de interesses privados que visam exclusivamente o ganho de fortunas a partir da flexibilização de áreas ambientais para benefício próprio e em detrimento da preservação dos recursos naturais brasileiros.
Sabemos a quem políticos como o senador Flavio Bolsonaro, representam. Sobretudo no Rio de Janeiro. O ministro do STF, Gilmar Mendes já alertava à época do assassinato de Moise Kabagambe, em um quiosque na orla da Barra da Tijuca/RJ, que parte do território do litoral do Rio de Janeiro era dominado por milicianos. Pouco se viu nesse caminho de investigação. Mas, para além disso, os interesses do capital são prontamente defendidos por essa classe política, que se favorece de programas de privatização indiscriminada e despreza a agenda ambiental e climática mostra, cada vez com mais intensidade, que ignora os alertas da ciência, os efeitos da emergência climática e expressa o seu mais profundo descaso a toda e qualquer pauta relacionada ao bem-estar da população que os elegeu. Se continuarmos a eleger políticos que legislam em causa própria, muito em breve, não teremos mais uma área ambiental de pé neste país.
*Marco Rocha é biólogo, professor, palestrante, comunicador e pesquisador com mestrado em Biologia celular (Fiocruz), Doutorado em Biotecnologia Vegetal (UFRJ e University of Ottawa/Canadá), com Pós-doutorado em Plantas medicinais com atividade antiviral (Fiocruz), com dezenas de artigos e capítulos de livros publicados em literatura científica. Professor universitário a mais de vinte anos, atuando nos cursos da área de saúde das universidades públicas (UFF e UFRJ) e nas principais universidades privadas do Rio de Janeiro. Marco Rocha também é ator, escritor, comunicador e administra as mídias sociais @aquipensando01 onde promove divulgação científica, reflexões sobre o cotidiano, discussões sobre etarismo e ativismo antirracista. Autor dos livros @aquipensando01 – coleção instapoetas e co-autor do livro Pretagonismos.