A deputada estadual Mical Damasceno (PSD-MA) propôs que a Assembleia Legislativa do Maranhão (ALEMA) realize uma sessão solene exclusivamente com homens em 15 de maio, data em que se celebra o Dia da Família. A declaração foi feita durante uma sessão plenária na última quarta-feira (17).
O objetivo, segundo a deputada, é “mostrar à sociedade quem é o cabeça da família”. A proposta foi divulgada como sendo uma “ideia divina” pela deputada.
Em discurso, a deputada propõe sessão somente com “machos” / Vídeo: Reprodução/ALEMA
“Então, nós vamos encher esse plenário aqui no dia 15 de maio de macho. A mulher tem que entender que ela deve submissão ao marido. Doa a quem doer”, declarou.
De acordo com o sociólogo João Saraiva, pensar sobre a submissão feminina aos homens e o que a deputada Mical Damasceno traz de maneira explícita é bem vinculado a uma visão patriarcal e conservadora.
Ainda segundo o sociólogo, a fala da deputada traz ideias de gênero cada vez mais ultrapassadas devido a um movimento de luta social feminina. “Quando analisamos a história do mundo ocidental, vemos reiteradas vezes mulheres sendo colocadas em um papel de submissão, enquanto atributos como liderança, força e autonomia são vistos como características masculinas, e posições baseadas na inferioridade e no cuidado são atribuídas às mulheres, sendo consideradas inferiores. Isso foi justificado pela religião e pela cultura ao longo do tempo, mas é um processo cada vez mais ultrapassado”, explica.
“Desde que Simone de Beauvoir escreveu ‘O Segundo Sexo’, ficou evidente a necessidade de questionar a superioridade do homem em relação às mulheres com base no sexo biológico”, completa.
A deputada também utilizou seu espaço para criticar as mulheres que lutam pela igualdade de gênero. Ela afirmou que essas mulheres buscam constantemente entrar em conflito com os homens.
“As feministas defendem que tem esse direito de igualdade”, mas “querem estar sempre numa guerra contra o homem”, destacou. Em discurso, a deputada continuou afirmando que o homem é o cabeça da família.
“E a senhora [deputada estadual Iracema Vale (PSB-MA), presidente da Alema], como católica praticante, sabe quem é o cabeça da família, é o homem, assim como Cristo é o cabeça da igreja”, disse.
João Saraiva ressalta ainda que a ideia do homem como cabeça da família, provedor e líder, reforça um aspecto de gênero extremamente tradicional que coloca as mulheres em um espaço de submissão e reduz sua autonomia. Isso também sustenta a visão de que os homens são mais propensos ao desenvolvimento intelectual, perpetuando estereótipos de gênero.
“Historicamente, pensando o homem como a cabeça, pensando esse homem como provedor, esse homem como líder, esse homem que seria mais intelectualmente propenso ao desenvolvimento, reforça bastante esse aspecto de gênero que é extremamente tradicional, o homem ser a cabeça da família. Coloca as mulheres, mais uma vez, nesse espaço de submissão, nesse espaço de redução da sua autonomia”, destacou.
O sociólogo ainda reforça que reiterar a imagem do homem como chefe da família em uma assembleia legislativa perpetua a desigualdade de poder, desincentivando a participação de meninas e jovens mulheres nesses espaços e perpetuando estereótipos de gênero opressivos. Ele também cita Judith Butler para apontar que essas práticas reforçam normativas de gênero e dificultam o reconhecimento dos direitos e da liderança das mulheres.
“Quando a gente pega uma autora como a Judith Butler, ela fala muito sobre algumas normativas de gênero, que essas imagens, essas práticas acabam sendo reforçadas e trazendo uma lógica opressiva de maneira constante. E se torna mais comum ainda se negar direitos das mulheres e abandonar a ideia de que mulheres possam ser líderes, possam sair da posição de alguém que só obedece, ser alguém que também consegue gerir, consegue ordenar, consegue liderar”, pontua.
“Tem uma frase muito forte que foi dita pela Simone de Beauvoir, que diz que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Ser mulher é um processo socialmente construído e é construído muitas vezes por essas imagens”, concluiu.
A deputada Mical Damasceno declarou que a sessão solene será realizada com a presença majoritária de homens para destacar o papel masculino na instituição familiar, considerada por ela como a primeira criação de Deus. Ela afirmou que isso seria uma homenagem à glória do Senhor Jesus.
“Então, vai ser lindo para a glória do senhor Jesus, deputado Neto Evangelista (União Brasil-MA). Essa sessão solene em comemoração da família nós vamos encher esse plenário de homem, de macho, para dizer que ele representa esta instituição. A primeira instituição criada por Deus”, prosseguiu.
Histórico
Em 2022, Mical Damasceno foi eleita para seu segundo mandato na Assembleia Legislativa do Maranhão, com 52.123 votos. Defensora “da família e dos valores cristãos” e apoiadora do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ela ficou entre os dez deputados estaduais mais votados.
Além desse episódio que repercutiu nas últimas horas, a deputada Mical Damasceno também esteve envolvida em um caso de intolerância religiosa em setembro de 2023. Durante uma sessão extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para debater casos de racismo religioso, a deputada teve um confronto com líderes de religiões de matriz africana. Ela estava associada a um grupo acusado de atacar o terreiro de mina “Ilê Axé Oxum Ôpara”.
Anteriormente, a parlamentar propôs e conseguiu aprovar uma lei na Casa que proibia a instalação de banheiros multigênero (ou unissex) em espaços públicos e privados no Maranhão. Contudo, o projeto foi vetado pelo governador do Maranhão Carlos Brandão.
Horas após o discurso, a deputada compartilhou um vídeo nas redes sociais da sessão em que reafirma suas declarações feitas na última quarta-feira na Assembleia. Na legenda, ela escreveu: “O homem é o cabeça da família. A mulher é submissa ao seu marido!”.
A Assembleia Legislativa do Maranhão divulgou uma nota a respeito do posicionamento da deputada Mical Damasceno.
Leia a nota na íntegra:
“Requerimento 146/2024, aprovado pela Casa e de autoria da deputada estadual Mical Damasceno, se refere à realização de uma Sessão Solene, que será aberta à participação de todos e todas, alusiva ao Dia da Família
A Assembleia Legislativa do Maranhão (Alema) informa que o requerimento 146/2024, aprovado pela Casa e de autoria da deputada estadual Mical Damasceno (PSD), se refere à realização de uma Sessão Solene, que será aberta à participação de todos e todas, alusiva ao Dia da Família, pré-agendada para 15 de maio, no plenário da Casa.
Sobre o pronunciamento da deputada Mical, ocorrido nesta quarta-feira (17), de que o ato tenha apenas a presença de homens, trata-se de uma opinião da parlamentar, respeitada dentro da pluralidade que compõe o Parlamento Estadual, que representa todos os segmentos da sociedade maranhense, em suas diversas forças políticas e linhas ideológicas.
A Assembleia Legislativa do Maranhão manterá sempre a boa convivência política na diferença, conciliando divergências em defesa dos interesses do povo do Maranhão, sendo atualmente presidida, pela primeira vez na história, por uma mulher, e tendo a maior bancada feminina de toda sua longa existência, com uma forte atuação da Casa em defesa das políticas de gênero e contra todas as formas de discriminação.”
A Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Maranhão também se posicionou por meio de nota.
Leia:
“A Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa vem a público manifestar seu posicionamento contrário ao sentido do pronunciamento da deputada estadual Mical Damasceno (PSD), realizado nesta quarta-feira (17), no Plenário da Casa.
Respeitamos a autonomia e o importante trabalho da deputada Mical Damasceno, mas suas opiniões explanadas no referido pronunciamento divergem totalmente dos princípios desta Procuradoria, que defende a nossa luta incansável pela igualdade de gênero e respeita a todos os laços de afeto, que se colocam como construção familiar.
Lembramos, ainda, que a Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão tem avançado no processo de defesa do protagonismo feminino no Maranhão; que, inclusive, pela primeira vez tem uma deputada à frente da Presidência da Casa e que reúne, hoje, sua maior bancada feminina da história do Legislativo Maranhense.”
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O vice-governador do Maranhão, Felipe Camarão, também foi às redes sociais para reforçar que “o lugar da mulher é onde ela quiser”.