Sessenta anos após a ‘abolição’ da escravidão no Brasil foi estabelecida a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento, com trinta artigos, tem por objetivo garantir os direitos essenciais a todos os seres humanos, sem discriminação por raça, cor, gênero, idioma, nacionalidade ou por qualquer outro motivo (como religião e opinião política). Em 10 de dezembro de 1948, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Paris, como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. O documento surge quando os chefes de estado das nações que emergiram como potências no período pós-guerra indignam-se com as barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. Neste mesmo período, o Brasil vivia a República populista (1946-1964) e os conceitos da “democracia racial brasileira” lutavam para conciliar os ideais republicanos de participação dos negros na sociedade com a realidade de exclusão social, econômica e política desse povo.
O artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Após mais de 300 anos de consolidação de um Estado-Nação escravocrata, como garantir que os direitos dos negros sejam garantidos em um país onde todas as relações, seja social, cultural, política ou econômica, são regidas pelos resquícios da escravidão? O Presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro (CEDINE), Luiz Eduardo Negrogun questiona a aplicação do artigo 1° da Declaração aos negros em nosso país: “A cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil. Nossas meninas são as mais estupradas e desrespeitadas. Na rede de saúde os negros são os mais vitimizados e a quantidade de óbitos muito maiores. Na terra a população negra não tem terra, nas favelas estão sob o julgo das milícias ou dos traficantes. Temos os nossos direitos Humanos respeitados?”.
Em um país onde os negros representam dois terços da população carcerária a igualdade de dignidade e direitos nem sempre é respeitada, conforme explica o advogado criminalista Joel Luiz da Costa: “A partir do momento que temos um racismo estrutural e estruturante que molda esse país, a frase ‘Todos os seres humanos nascem livres e iguais’, no Brasil, é inaplicável. Isso se desenrola em outros cenários como, por exemplo, na abordagem do sistema criminal que é extremamente seletiva e onde o povo preto é clientela. Nas demais estruturas e nos espaços de poder o negro também não está presente. Somos 15% de juízes e 25% dos políticos no legislativo. Não nascemos todos iguais perante a lei tampouco vivemos todos iguais”.
Os negros representam 54% da população, mas são 71% das vítimas de homicídio, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Esta pesquisa revela o quanto o artigo 3° da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal “não é plenamente aplicado no Brasil.
Esse é o tema da segunda reportagem da série ‘70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Temos o que comemorar?’, que será publicada nesta terça-feira (11). A série de matérias será publicada diariamente ao longo da semana até a próxima sexta-feira (14).