“Uso meu trabalho para falar de questões que incomodam, pois o país precisa dessas discussões”, diz a jornalista Rita Batista

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Há dois anos a jornalista Rita Batista integra o time de apresentadores do programa “É de Casa”, da TV Globo, nas manhãs de sábado. A soteropolitana que completa 21 anos de carreira este ano, faz da sua posição como comunicadora, uma forma de fomentar discussões, levar informação e propor reflexões, principalmente sobre questões raciais e de gênero.

Em entrevista exclusiva ao Notícia Preta, Rita falou não só sobre sua trajetória e sua carreira, mas também sobre levar para o grande público, debates sobre temas importantes. “Eu uso o meu trabalho para falar dessas questões que me incomodam, que fazem parte do meu DNA profissional e da minha vida, não do nada. Sempre está envelopado. Não é porque eu quero, é porque o país precisa dessas discussões“, pontua a jornalista.

Ainda, a jornalista também pondera que há diferntes formas de falar sobre determinados assuntos. “Sábado de manhã, as pessoas já viveram todas as agruras da semana, as pessoas querem uma conversa mais leve. Mas tem certos assuntos que você tem que falar, e ai procura a melhor maneira de falar sobre ele“.

Rita Batista completa 21 anos de carreira este ano /Foto: Engels Miranda

Além do programa aos sábados, Rita também foi anunciada como a nova integrante do “Saia Justa”, no GNT. Segundo ela, que é a quinta apresentadora negra a integrar o elenco do programa, é importante saber também de qual lugar você fala, por conta da estrutura racista na qual, segundo ela, o Brasil foi erguido.

As estruturas estão infiltradas de práticas e políticas racistas, e como jornalistas, somos observadores dessa dinâmica social, e é importante saber que por mais crachás que você ostente, você continua preto, nordestina e periférica, como no meu caso. Por mais estudo acumulado, neste país, as pessoas vão te questionar. Eu sempre tento trazer dados históricos e ferramentas“.

Rita se formou em Publicidade na Universidade Católica do Salvador (UCSal), e chegou a trabalhar na área, mas conta que sempre soube que o jornalismo era seu lugar. “Eu sempre soube que o meu caminho era dessa comunicação expressa, e eu sendo vetor dessa comunicação”. E assim, ela começa a trabalhar na Rádio Metrópoles em Salvador (BA), por volta de 2003.

Estava ouvindo e mandei um e-mail para o dono, dizendo: ‘sua rádio é ótima, mas vai ficar melhor comigo’. Ele me convidou para a entrevista, e fiquei lá por 7 anos. Eu saí, e voltei para a rádio em 2015 e fiquei em 2018“, conta a jornalista, que diz que o rádio te deu formação de falar “rápido e inteligível“.

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Segundo ela, a missão de se comunicar para tantas pessoas é compartilhar a informação sem ser “detentora disso“. “Meu papel é ser vetor, levar informação, e traduzir. Eu acho que experienciar as coisas para traduzir, do jeito que as pessoas estão aguardando, é mais próprio, nos aproxima mais das pessoas. Elas não estão como telespectadoras, elas querem interação“, conta a jornalista que defende que o público saiba das informações, para desenvolverem suas próprias visões.

E neste trabalho, de super exposição, Rita conta que por conta do racismo, experimenta comentários sobre seu cabelo, o tamanho de suas unhas e forma de falar, mas que também recebe muito carinho e identificação das pessoas. “Muita gente me vê como a filha, a prima, a neta, a irmã. E aqui não é ‘mitidez’, mas eu me vejo nesse lugar de orgulho das pessoas. Somos verdadeiramente o sonho dos nossos ancestrais”.

Mas muito certa do trabalho que produz, Rita consegue se definir enquanto comunicadora.

Eu sou uma comunicadora popular, e crio signos, frases, encurto as distâncias através da comunicação com o meu público, seja na televisão, redes sociais e rádio. E eu tenho a absoluta certeza que eu estou adequada à questões legais, mas eu não deixo de falar sobre questões nevrálgicas do nosso país. Apesar de uma observação apurada, mais calma, eu consigo adequar o meu discurso sem me omitir“.

Quem foi e quem é Rita

Soteropolitana do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Rita foi criada em um bairro chamado Periperi. “Salvador me estrumentalizou na minha autoestima, na minha formação como pessoa, como mulher negra. Ser baiana e soteropolitana me forjou, essa armadura que é feita do ouro de Oxum e de muito pertencimento“, conta.

Rita conta que de forma cotidiana, agora no centro da capital, tem uma visão de uma cidade cosmopolita e racista. “Ela ainda não entendeu que enquanto a gente não valorizar os nossos, nos lugares de poder com as cenetas de poder, vamos penar ainda na subalternidade. Quase sempre o Brasil ressalta só essa parte da cultura, música e festa, mas é mais que isso. São muitos polos de cultura“, desabafa.

Criada por sua avó materna, Rita lembra dos aprendizados que acumulou com ela.

Rita, além de apresentadora e jornalista, também lança seu primeiro livro chamado “A Vida é um Presente” /Foto: Ygor Yusiasu

Ela era aquela vó sábia, que protegia e acarinhava, mas que não me deixava esquecer que eu era uma menina preta suburbana. Então minha vó nunca alisou meu cabelo, ela sabia que aquilo era importante. E quando eu chegava queixosa dos apelidos que recebia na escola, ela me dizia: ‘quem mais tem o cabelo assim?’. Eu dizia que ninguém, e ela devolvida: ‘ É por isso que você é bonita, pois é diferente de todo mundo“, lembra ela.

Com esses ensinamentos, Rita acredita que apesar de nem todas as mulheres negras serem iguais, por terem suas especificidades, todas precisam se fortalecer. “Somos a base da pirâmide, mas nem todas estão no mesmo patamar. Mas quero que verdadeiramente, uma puxe a outra de verdade, se não a gente fica repetindo uma prática social brasileira que se já tem Maju, Rita, Kenya Sade, Valéria Almeida, já tem demais

Com tantas mulheres negras diferentes, com vivências e trajetórias distintas, Rita conta que o lugar único da representatividade deve ser trabalhado para que não se entenda todas como uma só. “Quando a gente trabalha na minúcia da especificidade, a gente consegue que as pessoas diferenciem esse olhar“, explica a jornalista.

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Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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