Alunos do direito da UFMG denunciam segregração entre cotistas e não cotistas

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Alunos do curso de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) denunciam a separação de alunos cotistas dos não cotistas. Segundo relatos, até o último semestre havia a turma dos ‘pobres’ e a dos ‘ricos’.

“Era nítido, era gritante. As pessoas de uma turma era a galera que anotava em caderno e as pessoas de outra turma era a galera que tinha o kit completo da maçã (tabletes e celulares da Apple) pra fazer anotação. Isso, pelo menos o meu curso, sempre causou um estranhamento, um desgaste e uma segregação muito forte. O que eu e outros alunos sentíamos era que essas pessoas, que estavam na turma A, não queriam se misturar com os cotistas”, denunciou uma aluna à Rádio Itatiaia e que pediu para não ser identificada.

Prédio da Faculdade de Direito – Foto: Lucas Braga / UFMG

Os alunos esperam que, a partir da denúncia, que à UFMG separe as turmas por ondem alfabética. “Então, acho que isso vai, a partir de agora, quebrar um pouco essa segregação. Embora eu acredite que a Universidade não tenha feito isso com uma má intenção, não tenha pensado nessa forma de alocação de turmas com essa visão – de vamos separar quem é amplo e quem é cotista – mas, na prática, o sistema deles de efetivação e distribuição de turmas fazia isso”, afirma.

O presidente do Centro Acadêmico dos Estudantes da Faculdade de Direito da UFMG, Osvaldo Capelari, confirma a separação existe mas acredita que as coisas mudem após pressão dos estudantes.

“Em janeiro desse ano, o Departamento de Registro e Controle Acadêmico (DRCA) enviou pra gente uma nota dizendo que agora o ingresso das turmas vai ser feito por ordem alfabética. O que se agregava era a banca de heteroidentificação em conjunto com a ordem de matrícula. Então, se você faz a matrícula depois, logo você vai ficar na outra turma. Então, quem tinha que fazer a banca ficava na outra turma”, explica.

Em nota, a UFMG informou que não existe segregação entre os estudantes e que “por uma formação ética, cidadã e pela maior diversidade possível de sua comunidade”. Ainda na nota, a Instituição afirma que “quando detectou situação pontual, no semestre passado, de divisão não equânime entre os estudantes de todas as modalidades de ingresso em um mesmo curso, tomou as devidas providências para que a situação não voltasse a ocorrer”.

Recorrência

Outro caso envolvendo uma aluna cotista aconteceu no Pará. Clara Costa, de 26 anos, quis cursar Sistema de Informação na Universidade Federal do Pará (UFPA), mas teve sua matricula negada pela banca de heteroidentificação.

Ela já havia feito serviço social, entre os anos de 2013 e 2018 na mesma instituição e, naquela época, ela já era cotista por cor e por ser estudante de escola pública.

A banca de heteroidentificação foi criada para assegurar que a autodeclaração de estudantes cotistas seja validada pela UFPA. Segundo a universidade, o objetivo é de evitar fraudes. No caso de Clara, a banca acabou retirando seu direito de estudar.

Ela contou ao G1 como foi processo da primeira banca em que passou. Clara diz que passou por duas salas, onde preencheu papéis com informações pessoais, incluindo a autodeclaração de etnia: mulher negra, com a pele parda.

“Me orientaram a assinar um documento me autodeclarando, preenchi, entreguei o documento, e ele foi avaliado por uma banca de cinco pessoas. Na mesa apenas uma delas era negra. Não durou nem um minuto. E em seguida fui informada que eu tinha sido reprovada e tinha que seguir para uma banca recursal para eles reavaliarem minha situação”.

Na segunda banca, haviam três servidores, ela deveria preencher um novo formulário, com identificação, incluindo as características fenotípicas, e  além disso, citar três situações de racismo que tivesse sofrido. Clara conta que descrever casos de racismo, foi bastante violento para ela e outras pessoas ali presente.

“Foi bem complicado, naquela sala mesmo vi algumas pessoas chorando, revivendo seus casos de racismo, me senti muito violentada, porque falar sobre racismo sofrido é um processo doloroso. Já estudei na UFPA, já participei inclusive de vários debates raciais e também vítima de diversas situações de racismo. Tive que descrever naquele momento”.

O resultado de indeferimento foi publicado no site do Centro de Registro e Indicadores Acadêmicos (CIAC) da UFPA.  “Quando recebi, fiquei revoltada, primeiramente porque a banca responde com uma única palavra (indeferido), sem justificativa e sem dar um tratamento humanizado. E, segundo, porque há pessoas brancas deferidas”.

E continuou. “Então, a banca está pecando nas suas avaliações, sendo totalmente ineficiente no que se propõe que é incluir pessoas negras na universidade, deixando de compreender a diversidade da nossa questão racial”.

Durante a formação em serviço social, Clara participava ativamente movimentos negros e chegou a palestrar em eventos acadêmicos sobre questão racial.

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Em nota, a UFPA informou que “o processo de heteroidentificação complementa a autodeclaração dos candidatos que concorrem às vagas reservadas para negros(as)” e que “as pessoas pardas que têm direito ao uso de vaga da cota são aquelas vistas como negras pela sociedade e que, por isso, são discriminadas e agredidas”.

Marina Lopes

Marina Lopes

Marina Lopes é jornalista e escritora juiz-forana, apaixonada pela palavra e por contar histórias através dela.

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