A distribuição dos sobrenomes mais comuns no planeta revela muito mais do que registros familiares: ela traça mapas de migração, colonização e fé que atravessaram séculos. Da Ásia à América do Sul, nomes como Wang, Mohamed e Da Silva ajudam a entender como a religião, o poder e a história moldaram identidades coletivas.
De acordo com os bancos de dados Forebears e HowStuffWorks, a concentração de certos sobrenomes ao redor do mundo reflete não apenas o tamanho das populações, mas também os movimentos de império, as guerras, a escravidão e as imposições culturais que definiram povos inteiros.
Na África, o nome Mohamed lidera amplamente, com cerca de 7,5 milhões de pessoas, seguido de variações como Mohammed, Muhammed e Mahamat. Somados, quase 15 milhões de africanos carregam nomes derivados de Muhammad, o profeta do islamismo. Essa prevalência está diretamente ligada à expansão da fé muçulmana e aos séculos de dominação islâmica no norte e oeste do continente. Mais do que um nome, Mohamed representa uma herança religiosa e cultural profundamente enraizada.

Na Ásia, vive o maior número de pessoas que compartilham um mesmo sobrenome. O chinês Wang é o mais comum do planeta, com mais de 106 milhões de portadores, seguido por Li, com 105 milhões. Ambos refletem a força da cultura familiar e do sistema de clãs. Wang, que significa “rei” ou “príncipe”, tornou-se amplamente usado desde a Dinastia Xin, quando famílias nobres adotaram o nome como símbolo de prestígio e continuidade. Outros nomes marcantes na região incluem Kim, Lee e Park (Coreia), Nguyen (Vietnã) e Devi (Índia), todos carregando significados espirituais, geográficos ou sociais.
Na Europa, os sobrenomes mais repetidos nascem da combinação entre ocupação, geografia e linhagem. García, o mais popular do continente e da Espanha, tem origem basca e significa “urso”, símbolo de força e proteção. Müller, na Alemanha, vem de “moleiro”, profissão essencial em sociedades agrícolas, equivalente a Molina em espanhol e Melnik em ucraniano. Já nomes como Smith, Murphy e Jones refletem ofícios como ferreiro, guerreiro e marinheiro, transmitidos por gerações.
A América do Norte reflete a herança colonial e a mistura cultural. Nos Estados Unidos e Canadá, os sobrenomes Smith, Johnson, Williams, Brown e Jones dominam os registros civis, herança direta dos colonizadores britânicos, escoceses e galeses. Já no México e em boa parte da América Central e Caribe, prevalecem os sobrenomes espanhóis como García, Rodríguez e Hernández, herança do domínio ibérico.
Na Oceania, o processo foi semelhante. Antes da chegada dos europeus, muitos povos indígenas não utilizavam sobrenomes. Com a colonização britânica, nomes como Smith, Brown, Johnson e Williams se tornaram os mais comuns na Austrália e Nova Zelândia, símbolos da imposição cultural e da assimilação forçada promovida pela administração inglesa.
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Na América do Sul, a diversidade de sobrenomes revela a dualidade colonial. Nos países de colonização espanhola, predominam García, Martínez e González. Já no Brasil, de herança portuguesa, nomes como Ferreira, Oliveira, Souza e principalmente Da Silva estão entre os mais frequentes.
De acordo com a plataforma Forebears, o sobrenome Da Silva é usado por cerca de 5 milhões de pessoas no Brasil, sendo o mais comum do país e um dos mais difundidos do mundo. Globalmente, ocupa a 36ª posição entre os sobrenomes mais populares, com uma em cada 548 pessoas carregando-o — o que representa milhões de famílias espalhadas pelo planeta. O nome, derivado do latim silva (“floresta”), era originalmente atribuído a pessoas que viviam próximas a áreas de mata, tornando-se um símbolo da colonização portuguesa e de sua diáspora global.
A imposição de nomes também acompanhou processos de violência e escravidão. Durante o tráfico transatlântico, pessoas negras escravizadas foram forçadas a adotar os sobrenomes de seus senhores, perpetuando até hoje nomes como Williams, Davis e Jackson entre descendentes africanos nos Estados Unidos. Já na Europa e nas Américas, imigrantes vindos da Polônia, Rússia e Itália simplificaram ou adaptaram seus nomes para se ajustar às novas línguas e sociedades.
Hoje, entre todos, Wang segue como o sobrenome mais comum do planeta, com mais de 106 milhões de pessoas. Mas cada nome, de Mohamed a Da Silva, guarda uma história coletiva: de fé, resistência, território e poder.
Essas genealogias mostram que sobrenomes são mais do que marcas familiares: são testemunhos vivos de como o mundo foi colonizado, cruzado e transformado. Um mapa de identidades que conecta povos e continentes, revelando como a humanidade inteira está, de alguma forma, escrita em seus próprios nomes.