Racismo letal: negros e indígenas são maioria entre vítimas de assassinatos de defensores de direitos humanos

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70,9% das pessoas mortas atuando na defesa de direitos eram negras ou indígenas entre 2023 e 2024, aponta levantamento


A raça continua determinando quem está mais exposto à violência letal no Brasil. Entre 2023 e 2024, 36,4% das pessoas assassinadas por defender direitos humanos eram negras e outros 34,5% eram indígenas, segundo o estudo ‘Na Linha de Frente – Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil’, realizado pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global. O levantamento revela ainda que, entre os negros assassinados, cinco eram lideranças quilombolas, casos registrados na Bahia, Maranhão e Goiás.
 

Os dados evidenciam que a violência tem um forte componente racial e étnico e atinge, com maior intensidade, comunidades e povos historicamente marginalizados. Mais de 87% das vítimas de assassinatos defendiam terra, território e meio ambiente, lutas diretamente relacionadas à preservação e à sobrevivência de territórios quilombolas, indígenas e de comunidades camponesas.

Foto: Pexels

Pessoas negras e indígenas que lutam por direitos são as mais expostas à violência. Os números evidenciam como o racismo opera no não reconhecimento dos direitos fundamentais e originários de grupos historicamente violados. É inaceitável que, até os dias de hoje, pessoas negras e indígenas paguem com a vida a luta por terra, território e justiça social”, afirmou Glaucia Marinho, diretora-executiva da Justiça Global.
 

A pesquisa aponta que povos indígenas e comunidades negras quilombolas estão entre os mais vitimados porque a violência que sofrem não é apenas pontual, mas estrutural. A aprovação do Marco Temporal, a flexibilização de leis que facilitam a exploração econômica de seus territórios, o ritmo lento na demarcação de terras indígenas e a titulação de territórios quilombolas e a ausência de políticas ambientais efetivas criam um cenário de vulnerabilidade constante. Esses fatores, somados à manutenção do racismo estrutural no país, colocam indígenas e negros como alvos preferenciais de ataques e intimidações.

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Não se trata apenas de disputas territoriais, mas da tentativa de silenciar povos que defendem direitos constitucionais, modos de vida sustentáveis e a preservação do meio ambiente frente aos interesses do agronegócio, da mineração e de milícias rurais.

Dos 10 assassinatos registrados na Bahia, Estado que registrou o maior número de mortes de defensoras e defensores de direitos humanos, 2 eram quilombolas e 5 indígenas dos povos Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe.

Entre os crimes está o assassinato de Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, ialorixá e liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, na Bahia. Em agosto de 2023, ela foi executada com 25 tiros dentro de casa, mesmo estando sob proteção oficial. Também na Bahia, em janeiro de 2024, Maria Fátima Muniz de Andrade, a Nega Pataxó, liderança indígena Pataxó Hã-hã-Hãe, foi morta a tiros durante a retomada de uma fazenda reivindicada como território tradicional. Testemunhas relataram a atuação conjunta de milícias rurais e policiais militares no ataque.
 

O Pará aparece como o segundo estado com maior número de assassinatos de defensoras e defensores de direitos humanos no período, com seis registros, todos relacionados a conflitos pela defesa da terra, território e meio ambiente. Já o Paraná registrou um aumento expressivo de casos de violência, passando a concentrar 44 ocorrências em dois anos. Destas, 70% tiveram como alvo indígenas Avá-Guarani, sobretudo no Oeste do estado, em episódios ligados a retomadas de terras ancestrais. O levantamento aponta que esse crescimento está diretamente relacionado à reação do agronegócio contra a mobilização indígena, revelando a escalada de ataques orquestrados para impedir o avanço de processos de demarcação e recuperação de territórios tradicionais.
 

Indígenas também foram vítimas de um a cada três casos de violência registrados pelo levantamento. O estudo identificou 486 casos de violência contra quem defende direitos humanos entre os anos de 2023 e 2024, incluindo assassinatos, ameaças, atentados à vída, entre outros.
 

Segundo o relatório, a violência contra defensoras e defensores de direitos humanos é agravada pela participação de agentes públicos, policiais militares estiveram envolvidos em pelo menos cinco homicídios no período, e pela impunidade nos casos investigados. O uso de armas de fogo foi registrado em 78,2% dos assassinatos, reforçando o caráter letal e premeditado desses crimes.
 

Dos 486 casos de violência identificados no levantamento,mais da metade ocorreu dentro dos territórios ou nas moradias das vítimas e 67% dos ataques aconteceram em áreas rurais.
 

Sobre o estudo Na Linha de Frente
O relatório é produzido pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global e mapeia, desde 2002, casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil. A edição atual abrange os anos de 2023 e 2024, documentando violações como assassinatos, ameaças, criminalização, atentados à vida e deslegitimação da atuação de lideranças sociais.
 

Sobre a Terra de Direitos
Organização de Direitos Humanos que atua na defesa e efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais. Fundada em 2002, atua nacional e internacionalmente, com escritórios em Santarém (PA), Curitiba (PR) e Brasília (DF).
 

Sobre a Justiça Global
Organização não governamental brasileira dedicada à promoção e proteção dos direitos humanos, ao fortalecimento da sociedade civil e à defesa da democracia. Atua por meio de quatro programas: Justiça Internacional; Proteção a Defensores/as de Direitos Humanos e da Democracia; Combate à Violência Institucional e Segurança Pública; e Justiça Socioambiental e Climática.
 

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