Crescem os registros de racismo no futebol: “é fruto da conscientização de atletas e torcedores, afirma Marcelo Carvalho

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Em oito anos, os casos de racismo no futebol aumentaram 438%, segundo o Relatório Anula da Discriminação Racial no Futebol. O levantamento foi apresentado nesta quarta-feira (24), na sede da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no Rio de Janeiro. O estudo é realizado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol e revela uma crescente desde o ano de 2014, primeiro ano da série histórica. 

Marcelo Carvalho lembra que é o primeiro no que conta com o apoio da CBF – Lucas Figueiredo/CBF

Ao todo, em 2021, foram registrados 158 casos de racismo, sendo 124 no futebol e 34 em outros esportes. Somente no Brasil foram 137 casos e 21 no exterior, distribuídos em xenofobia (10), machismo (15), LGBTfobia (25) e discriminação racial (75). 

Para Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, ressalta que os números não cresceram por acaso, mas por conta da conscienização de jogadores e torcedores. “De 2014 pra cá estamos vendo um debate maior por parte da imprensa que tem fomentado e dado coragem aos jogadores para falar sobre o tema. Se olharmos para 2021 e 2022 são casos de jogadores que estão em campo e chamam o árbitro ou imprensa para relatar os casos de racismo”, analisa. 

Marcelo lembra ainda que os casos notificados foram registrados em três locais principais: estádios, redes sociais e outros locais que fazem parte dos jogos como narradores, que nem sempre estão nas arenas. “Quando um narrador comete um ato discriminatório e é registrado por um torcedor, por exemplo, não necessariamente ele está no estádio, pode ser que ele esteja narrando do estúdio da emissora. Esses casos também foram contabilizados como discriminação”, revela. 

De acordo com o levantamento, o primeiro caso de racismo de 2021 foi registrado em janeiro daquele ano, no jogo entre Vila Nova e Brusque, pela Série C do Campeonato Brasileiro, em Goiânia (GO). A diretoria do Brusque Futebol Clube e Jefferson Renan acusaram um dirigente do Vila Nova de injúria racial.

Marcelo enfatiza que é necessário falar de racismo o ano todo e não somente no 13 de maio e 20 de novembro. “Precisamos falar do racismo que não deixa que crianças vão para escola por falta de alimentação, por falta de estrutura mínima. Esse racismo diário precisa ser discutido. Esse é o papel fundamental de um clube de futebol”, afirma. 

Campanhas e punição

O presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, o primeiro presidente negro da entidade desde sua fundação, em 1914, disse que a instituição, em parceria com outros órgão, como o Observatório, realizará campanhas antirracistas nos estádios e a ideia é que o clube, que os torcedores cometerem atos racistas, seja punido. “A proposta é que o clube que tiver torcedor envolvido em atos de racismo perca um ponto na competição. Em um campeonato igual ao brasileiro, pode significar um título ou rebaixamento de uma equipe. Além disso, haverá uma investigação, liderada pelo STJD [Superior Tribunal de Justiça Desportiva] para saber se não é um infiltrado em torcida adversária”, informa. 

Marcelo Carvalho e Ednaldo Rodrigues – Lucas Figueiredo/CBF

O presidente da CBF também informou que, nas próximas rodadas do Campeonato Brasileiro da Série A, placas de publicidade com a frase “Por um Futebol e uma Sociedade Antirracista” serão instaladas nos estádios. “Só queria dizer mais uma vez o que estará estampado nas placas em volta dos gramados dos estádios nesta semana: Por um futebol e uma sociedade antirracista. Sei que um dia é pouco, uma semana é pouco, um mês é pouco, um ano é pouco para tratar desse tema tão importante. O nosso compromisso é de dedicação permanente e sabemos que teremos muito trabalho pela frente!”, completa.   

Desdobramentos

Além de catalogar os casos de racismo no futebol, o Observatório também acompanha cada caso relatado e seus respectivos desdobramentos. Dos 201 casos catalogados desde 2014, 53 foram julgados pela Justiça Desportiva (TJD – STJD), em 32 existiram punições, e em 21 casos absolvição do acusado.

Leia também: Observatório Racial no Futebol e CBF fecham parceria para redução dos casos de racismo no futebol brasileiro

“É importante que a punição seja exemplar. Vemos que praticamente um quarto dos casos registrados foi a julgamento e 60% deles houve punição. Ou seja, os plenos da Justiça Desportiva estão condenando mais do que absolvendo os envolvidos, que muitas vezes são os clubes. É preciso que esse percentual de punição aumente para servir de exemplo a toda sociedade e, principalmente, quem vai aos estádios”, completa Marcelo Carvalho.   

Regionalização

Um dado chama atenção no relatório: a região Sul do Brasil é a que mais produz atos discriminatórios no esporte. Desde o início da série histórica, em 2014, os três estados sulistas contabilizam 75 casos de racismo, seguido pelo Sudeste, com 60 casos, Nordeste, 32 casos, Centro-Oeste, 20 casos, e Norte, 14 registros. 

O Rio Grande do Sul já registrou 54 casos, seguido por São Paulo, com 25 casos, Minas Gerais, soma 18 casos, e Rio de Janeiro, com 15 casos. 

Onã Rudá é o fundador da LGBTricolor e do Canarinhos LGBTQs – Lucas Figueiredo/CBF

LGBTfobia

O relatório também fez um levantamento dos casos de discriminação que envolvem LGBTfobia. Ao todo, foram 25 casos e, no Brasil, 24 registros e um no exterior. Onã Rudá, fundador e presidente do LGBTricolor, torcida do Esporte Clube Bahia, e do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQs lembra que “o Futebol é ainda um dos poucos ambientes sociais onde as opressões estruturais continuam sendo reproduzidas de forma quase cristalizada, mas, sobretudo, a LGBTfobia, o que causa sequelas profundas na vivência  da comunidade LGBTQIAP+ com o esporte”. Mas ele ressalta também que o intuito dos movimentos é a inclusão de pessoas LGBTQIA+ nos esportes e na sociedade como um todo. “Acho que a gente tem dado passos importantes até aqui, e a nossa participação nesse evento da CBF é uma demonstração que a gente pode fazer com que esse debate chegue no Brasil de forma bonita, grande, potente, fazendo uma reversão, não só no futebol, mas também impacto na sociedade brasileira. Um avanço civilizatório”, afirma.  

Igor Rocha

Igor Rocha

Igor Rocha é jornalista, nascido e criado no Cantinho do Céu, com ampla experiência em assessoria de comunicação, produtor de conteúdo e social media.

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