Por Marco Rocha*
É curioso perceber a surpresa de muitos quando ouvem o termo “racismo ambiental”. Talvez porque tenham dificuldade de reunir dois temas que, por si, já significam tantas coisas e afetam muitas camadas do tecido social. Mas, independente do estranhamento inicial, é possível compreender o significado desse termo que, em uma taca só, escancara a relação das mazelas sociais com o descaso para as questões ambientais e como isso é agravado pela crise climática que já faz parte do nosso tempo.
O termo racismo ambiental, cunhado por Benjamin Chavis (reverendo, químico e ativista antirracista) nos anos de 1980, tinha uma relação direta entre o descarte de lixo em bairros pobres e de maioria negra na periferia de Warren, Condado da Carolina do Norte, EUA.
Quarenta anos se passaram desde então e muitas mudanças na dinâmica climáticas foram observadas nesse período. A população do planeta era de 4,4 bilhões em 1980 e hoje já passamos de 8,1 bilhão de seres humanos. Mais consumo, mais extração de recursos naturais (orgânicos e minerais), menos florestas, mais carros, mais indústrias, mais lixo… mais desigualdade.
E o impacto disso é monumental, sobretudo nas populações historicamente invisibilizadas e mais vulneráveis. O racismo ambiental assume contornos ainda mais dramáticos quando pensamos na realidade brasileira.
O nosso patrimônio genético que torna o Brasil o país mais mega diverso do planeta está, em muitos momentos, no caminho de interesses econômicos focados na extração ilimitada de recursos naturais sem qualquer compromisso com a preservação ambiental ou com o desenvolvimento social nas áreas de exploração. Juntos, esses fatores são o combustível para muitas formas de expressão do racismo ambiental.
Quando pensamos em poluição do ar, em descarte inadequado de lixo, enchentes, deslizamentos de terra, contaminação da água e falta de saneamento básico, certamente não é a parcela mais rica da sociedade que nos vem a mente. No Brasil, segundo o censo de 2022, 67,8 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza, com 12,7 milhões em extrema pobreza e, dessa população mais vulnerável, 40% é formada por negros.
Essa população está geograficamente distribuída em favelas e bairros periféricos de baixa renda, repletos de carências de serviços fundamentais e expostos de forma mais aguda, aos efeitos das alterações climáticas. O racismo ambiental não está exclusivamente relacionado a população negra, mas sim, somos direta ou indiretamente os mais afetados por ele.
E quando observamos o ritmo acelerado dos níveis de devastação ambiental, como queimadas, garimpos ilegais, desmatamento seja para a extração de madeira, seja para o aumento das áreas de plantio, a invasão de terras indígenas, o tráfico de drogas e a biopirataria, percebemos o quanto esses fatores contribuem de forma contundente tanto para a crise climática, quanto para o desaparecimento das populações que vivem nessas regiões.
E os impactos dessas práticas predatórias, são sentidos diretamente por comunidades formadas por povos originários, quilombolas, ribeirinhos e caiçaras Brasil afora. Populações que guardam saberes ancestrais fundamentais para a preservação da vida em suas regiões e do ambiente natural, essencial para a sobrevivência de todos nós.
O racismo ambiental é formado por muitas camadas e, talvez por isso, não seja tão compreensível por muitos. Mas, diante de uma realidade onde os recursos naturais se perdem, contribuindo ainda mais para a crise climática e acentuando desigualdades na vida de comunidades mais vulneráveis, não há como vendar os olhos ou dar as costas para o que é, sim, um dos maiores desafios do nosso tempo: o combate ao racismo ambiental.
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Avançamos socialmente sobre os pilares da degradação ambiental, da exclusão, do apartheid social, do preconceito e da desigualdade, portanto, é urgente colocar o tema racismo ambiental nas mentes e nas bocas de todos nós enquanto ainda há tempo.