Por que usamos branco no Ano Novo no Brasil

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Vestir branco na virada do ano é um dos costumes mais difundidos no Brasil. A tradição atravessa classes sociais, regiões e gerações e está associada a desejos de paz, equilíbrio e recomeço. Mais do que uma escolha estética, o uso do branco no Réveillon tem raízes históricas profundas, ligadas à religiosidade afro-brasileira, e foi sendo incorporado ao imaginário coletivo ao longo do século XX.

A origem do costume está relacionada às religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, que se estruturaram no Brasil a partir do século XIX. Nessas tradições, o branco é uma cor sagrada, associada à purificação espiritual, à calma e ao respeito aos orixás. É também a cor usada em rituais de limpeza e iniciação, especialmente em homenagens a Oxalá, divindade ligada à criação e à paz, e a Iemanjá, orixá das águas salgadas.

Mais do que uma escolha estética, o uso do branco no Réveillon tem raízes históricas profundas, ligadas à religiosidade afro-brasileira
Foto: Freepik

Ao longo do século XX, especialmente a partir da segunda metade, esse uso religioso começou a ganhar visibilidade pública. Nas décadas de 1960 e 1970, praticantes dessas religiões passaram a realizar oferendas de fim de ano nas praias, vestindo roupas brancas. No Rio de Janeiro, a orla de Copacabana se consolidou como um dos principais palcos dessas celebrações, ajudando a transformar um ritual religioso em uma imagem simbólica da virada do ano no país.

Com o crescimento das festas públicas de Réveillon, sobretudo a partir do final do século XX, o hábito se espalhou para além dos terreiros e passou a ser adotado por pessoas de diferentes crenças. O branco deixou de ser apenas um elemento ritual e passou a representar, de forma mais ampla, a ideia de renovação, começo de ciclo e desejo coletivo por paz, especialmente em um país marcado por desigualdades e instabilidades sociais.

Pesquisas de intenção de consumo realizadas nas últimas décadas indicam que o branco segue como a cor mais escolhida pelos brasileiros para a virada do ano. Levantamentos divulgados por entidades do varejo e institutos de pesquisa mostram que uma parcela expressiva da população prefere roupas brancas no Réveillon, mesmo com o crescimento do uso de outras cores associadas a desejos específicos, como amarelo para prosperidade e vermelho para amor.

Esse movimento também reflete a apropriação comercial da tradição. Ao longo do século XXI, o varejo passou a investir fortemente em coleções de fim de ano com peças claras, leves e predominantemente brancas, reforçando a associação entre a cor e o momento da virada. Assim, o gesto simbólico se consolidou tanto como ritual quanto como tendência de consumo.

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Apesar da popularização, pesquisadores e lideranças religiosas apontam que a tradição muitas vezes é reproduzida sem o reconhecimento de suas origens afro-brasileiras. O que hoje é visto como superstição ou costume popular tem raízes em práticas religiosas historicamente marginalizadas, o que levanta debates sobre apagamento cultural e apropriação simbólica.

Ainda assim, vestir branco no Ano Novo segue sendo um dos rituais mais fortes do calendário brasileiro. A cada virada, a cor funciona como um elo entre passado e presente, fé e cotidiano, tradição e reinvenção. Mais do que um costume, o branco no Réveillon expressa um desejo coletivo de atravessar o tempo com esperança.

Layla Silva

Layla Silva

Layla Silva é jornalista e mineira que vive no Rio de Janeiro. Experiência como podcaster, produtora de conteúdo e redação. Acredita no papel fundamental da mídia na desconstrução de estereótipos estruturais.

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