O levantamento “Perfil da Pobreza no Espírito Santo”, realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), mostra que a taxa de extrema pobreza de pessoas inscritas no CadÚnico no Estado foi de mais de 78% e a de extrema pobreza foi de 49%. O mesmo estudo indica que quase 84% das famílias cadastradas são chefiadas por mulheres e mais de 72% dos cadastrados são negros. O Estado tem mais de 415 mil famílias inscritas no programa. Os resultados da pesquisa foram divulgados em 2020.
Segundo a Central Única das Favelas do Espírito Santo (Cufa-ES), as informações oficiais estão desatualizadas. “Fizemos uma pesquisa pelo Brasil que mostrou que 68% dos lares não estão conseguindo garantir duas refeições completas por dia, dependendo de doação para sobreviverem. Nas favelas, 72% dos moradores e moradoras são negras, e 45% dos lares são chefiados por mulheres. Quando falta renda para elas, falta para a família inteira”, afirma o presidente Cufa-ES, Gabriel Nadipeh. A mesma pesquisa aponta que seis meses antes, em agosto de 2020, a média era de 2,4 refeições diárias. O estudo foi realizado pelo DataFavela (parceria da Cufa com o Instituto Locomotiva).
Além dos dados do perfil da pobreza no Estado, divulgados pelo instituto, mesmo antes da pandemia, em 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimava que mais de 425 mil famílias no Espírito Santo estavam em situação de insegurança alimentar. Por não contemplar as consequências da pandemia da Covid-19 no cotidiano das famílias capixabas, Nadipeh estima que os dados do estudo de taxa de pobreza podem ser ainda mais preocupantes. “Muitas pessoas não são alcançadas pelo sistema e se sustentam com serviços informais. A pandemia as impossibilita de ganharem essa renda. Entramos em casas que não tem um grão de arroz para aquele dia e que precisam sair para buscar trabalho, o que aumenta a exposição ao vírus. Elas não têm a opção de ficar em casa se protegendo”, afirma.
Em relação ao país, a pesquisa “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, coordenada pelo do Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, da Universidade Livre de Berlim, estima que mais de 59% dos brasileiros (125,6 milhões) não conseguiram se alimentar dentro da quantidade e qualidade ideais desde que a pandemia começou.
De acordo com a Cufa-ES, equipes realizam ações de mapeamento desde o início da pandemia. Até abril de 2021, a organização havia atendido 213 mil pessoas em 35 municípios do Estado. Com mais de um ano de pandemia, a vulnerabilidade aumentou e as doações diminuíram. “Acreditávamos que em 2021 não seria preciso continuar com algumas abordagens do projeto e que já teria [a vacinação em massa], porém a situação piorou enquanto as doações diminuíram. Atendemos uma média de 4 mil famílias por mês e agora estamos enfrentando muita dificuldade”, conta.
O município de Vitória, capital do Espírito Santo, contava com um Restaurante Popular, desativado em 2016 pelo ex-prefeito Luciano Rezende (Cidadania). Durante o funcionamento, o restaurante chegou a servir mil refeições diárias pelo valor de R$1. Na época, a taxa de pobreza das pessoas inscritas no CadÚnico no Estado era de 66,7% e a de
extrema pobreza atingia 41,6%. A prefeitura alega que não há verba disponível para reativar o serviço.
O plano do então secretário de Gestão, Planejamento e Comunicação, Fabrício Gandini (Cidadania), era transformar o local em um banco de alimentos. Atualmente, o banco de alimentos da capital funciona na cidade vizinha como um depósito de cestas básicas que, eventualmente, são distribuídas pelos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS). “A alimentação é um direito social. O Restaurante Popular em Vitória foi referência em alimentação barata e saudável para muitas pessoas. Durante a campanha eleitoral [do último ano], vimos alguns discursos a respeito do tema, porém ainda sem eficácia prática. Enquanto isso, a fome não espera. Para além da capital, esse projeto deveria ser um compromisso dos municípios com seus moradores”, afirma Nadipeh.
O estudo “Perfil da Pobreza no Espírito Santo” foi realizado com base somente nos cadastros de famílias capixabas no CadÚnico. Mesmo que a pandemia da Covid-19 tenha sido decretada há mais de um ano, os primeiros efeitos da crise sanitária e econômica nas estimativas citadas ainda não foram divulgados pelo governo do Estado. O Instituto Jones dos Santos Neves foi procurado para esclarecer a respeito de novas estimativas. Até o fechamento da matéria, o instituto não havia dado retorno à equipe de reportagem.