Polícias mataram mais de 4 mil pessoas em 2024 e 75% eram negras, aponta relatório

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A sexta edição do relatório Pele Alvo: crônicas de dor e luta, que será lançado pela Rede de Observatórios da Segurança no dia 13 de novembro, denuncia a persistência de um padrão de segurança pública marcado pelo confronto e pelo racismo estrutural no País. O levantamento analisou dados de 2024 em nove estados (AM, BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ e SP), obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), e revelou um cenário onde a cor da pele continua sendo o fator mais determinante para mortes violentas praticadas pelas polícias.

Acesse o boletim Pele Alvo: crônicas de dor e luta

Os números de 2024 corroboram as denúncias feitas pela Rede desde 2019: no conjunto dos estados monitorados, foram registradas 4.068 mortes decorrentes de intervenção policial. O recorte racial, quando informada a cor, demonstra o alvo da violência estatal: a população negra (pretos e pardos, segundo classificação do IBGE) representou 86,2% do total de fatalidades nas unidades federativas analisadas, somando 3.066 vítimas absolutas

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A disparidade racial é agravada pela faixa etária. Os jovens entre 18 e 29 anos constituíram 57,1% dos casos, totalizando 2.324 vítimas. Crianças e adolescentes, de 12 a 17 anos, foram 297 vítimas, além de um caso de 0 a 11 anos, significando alta de 22,1% em relação a 2023.

“As desigualdades raciais atravessam a realidade brasileira e repousam em um lugar profundo, reverberando para todas as áreas da vida social. No campo da segurança pública, o racismo e a política de segurança se consolidaram como um par de atração magnética. A cada novo dado, o Brasil repete a mesma tragédia: o Estado mata com base em critérios raciais. Não se trata de desvio, mas de um padrão”, afirma Jonas Pacheco, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios.

Ao ponderar o número de negros mortos por 100 mil habitantes em relação à população branca, os dados são ainda mais preocupantes. Em todos os nove estados, pessoas negras têm mais chances de serem mortas pelas polícias do que brancas — mais destacadamente, Bahia, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo.

Ecos do tempo. O que nos trouxe até aqui?

A dinâmica das mortes por intervenção policial no Brasil apresentou novas configurações ao longo da série histórica (2019–2024) de monitoramento da Rede. Os dados caracterizam-se pela sensibilidade a conjunturas políticas — em âmbito nacional ou regional —, pela expansão de grupos criminosos e pelo uso e valorização das novas tecnologias (inteligência artificial, drones e câmeras). 

Em seis anos, os nove estados apresentaram uma redução de 4,4% nas mortes decorrentes de intervenção policial. Bahia e Rio de Janeiro destacaram-se no cenário geral com movimentos opostos — alta de 139,4% e redução de 61,2%, respectivamente —, enquanto São Paulo, desde 2022, vem escalonando de forma preocupante o número de mortes decorrentes — alta 93,8% na letalidade policial em três anos.

O relatório também aponta falhas estruturais na gestão e na transparência dos dados. A invisibilidade estatística persiste, com 512 registros de mortes em que raça/cor não foi informada, ou seja, uma em cada oito mortes.

“Não há mais espaço para negar a dimensão racial da violência de Estado. O relatório Pele Alvo é um chamado inequívoco para que governadores e o Governo Federal adotem um pacto pela vida, com metas ambiciosas e compromissos reais de responsabilização. A segurança pública deve ser para todos, não apenas para os não negros”, conclui a equipe de pesquisa da Rede.

Metodologia

Os dados das mortes decorrentes de intervenção policial são obtidos junto às secretarias de segurança dos estados e órgãos correlatos por meio de solicitações via Lei de Acesso à Informação (LAI). Após recebimento dos dados, há a validação deles e a busca por inconsistências. Após a validação e padronização dos dados, são geradas estatísticas descritivas com as proporções das vítimas por raça/cor. 

Esta edição conta com entrevistas de pessoas negras, de diversas gerações, entre os estados que compõem a Rede. Os participantes compartilharam experiências com relação à violência policial, detalhando as marcas profundas deixadas por esses encontros.

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Sobre a Rede de Observatórios da Segurança

A Rede de Observatórios é uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) dedicada a acompanhar políticas públicas de segurança, fenômenos de violência e criminalidade em nove estados. Atuamos na produção cidadã de dados com rigor metodológico, em parceria com instituições locais e sociedade civil. O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos. 

Integram a Rede o Coletivo de Pesquisa e Extensão ILHARGAS – cidades, políticas e violências (UFAM), do Amazonas; a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, da Bahia; o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), do Ceará; a Rede de Estudos Periféricos (REP), do Maranhão; o Grupo de Pesquisa Mãe Crioula, do Pará; o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco; o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (NUPEC), do Piauí; e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), de São Paulo.

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