O debate sobre homens negros e a construção das suas masculinidades ainda é um debate pouco amplificado no contexto brasileiro. Não à toa, o período de quase três séculos de escravidão no Brasil ecoa sobre os corpos masculinos, dificultando a construção das relações que envolvem raça e gênero masculino. Diante disso, será lançado o livro “Diálogos Contemporâneos sobre Homens Negros e Masculinidades” nas capitais de São Paulo Rio de Janeiro, nos dias nove e dezesseis do próximo mês, respectivamente.
Inédito no Brasil, a ideia de lançar uma obra feita somente por homens negros tende a promover o tema sobre masculinidades negras- essencial neste século. Encampado pelos organizadores Henrique Restier e Rolf Malungo, o livro conta com as participações dos autores Caio César, Tulio Custódio, Osmundo Pinho, Bruno Santana, Lucas Veiga, Tago Elewa Dahoma e Douglas Araújo. O prefácio, contracapa e orelha da literatura ficam por conta dos Professores Doutores Deivison Mendes Faustino, Renato Noguera e Márcio André.
A ideia central do livro é debater as diversas perspectivas sobre masculinidades negras, com o viés racial e de gênero. Um dos autores do livro, o geógrafo, professor e pesquisador, Caio César, reitera a importância da discussão sobre o tema. “Nossa pauta tem muitas particularidades e abordar isso, principalmente no Brasil de hoje em dia, é extremamente importante”, afirma.
Para além disso, os homens afro-brasileiros lideram as fileiras das mortes por tráfico, policiais e ainda convivem com diversos problemas estruturais que distanciam o homem preto das suas questões mais particulares. Nisso, Caio destaca a importância em humanizar o corpo negro para que, assim, o debate sobre masculinidades ganhe a merecida atenção na sociedade.
No momento desta publicação, Caio está presente no Fórum Internacional de Gênero na Tunísia, organizado pela ONU (Organização das Nações Unidas), que vem acontecendo desde a última terça-feira (23) e vai até 26 deste mês. No meio disso tudo, o carioca nascido em Mesquita, Rio de Janeiro, nos concedeu uma entrevista para conversamos melhor sobre a obra que será lançada em maio. Confira a seguir.
Notícia Preta– Como surgiu a ideia de lançarem um livro feito somente por homens negros?
Caio: A ideia veio dos organizadores, Henrique Restier e Rolf Malungo, com o intuito de reunir os homens negros que, em número já considerável, produzem conteúdo sobre o assunto. Além, claro, de colocar em pauta a nossa visão sobre o assunto, disputando um mercado ainda bastante branco.
Notícia Preta- Por que o debate sobre masculinidades negras é tão importante no Brasil?
Caio: Porque nossa vivência, enquanto homens pretos, é bastante invisibilizada, sendo diferente dos homens brancos em muitos níveis. Nossa pauta tem muitas particularidades e abordar isso, principalmente no Brasil de hoje em dia, é extremamente importante.
Notícia Preta- Como você vê ao longo da história a construção psicosocial do homem negro e também a questão da autoestima do homem afro-brasileiro?
Caio: Tudo na construção do homem negro é muito corporal. A sociedade nos enxerga como corpos para trabalho e para fetiches sexuais. E isso contribui muito na nossa construção sob diversos aspectos. Acredito que o debate de masculinidade negra serve, antes de tudo, para nos humanizar e mostrar novos caminhos, novas possibilidades. Que perpassam, sim, por rever nossos comportamentos nocivos, mas de entender uma outra construção sobre o que é ser homem negro, nossa autoestima, nossas perspectivas etc..
Notícia Preta- Você escreve um dos capítulos do livro. Quais são as ideias que você pretende compartilhar nele?
Caio: Meu capítulo fala sobre alguns aspectos sociais que constroem a autoestima do homem negro, passando pela questão da hiperssexualização e dos relacionamentos interraciais, pois são temas muito interligados.
Notícia Preta- O lançamento da obra é, também, uma forma de questionar o mercado editorial brasileiro com relação à representatividade do homem negro nesse meio?
Caio: Com certeza. E não só isso, mas questionar quais as possibilidades que homens negros brasileiros têm hoje dentro da produção acadêmica. Nós somos os que menos ocupam as universidades no Brasil, os que têm menos anos de estudo e, por outro lado, os que mais morrem e os que mais estão em subempregos. Nossa presença no mercado editorial, com este livro, questiona muita coisa.
Notícia Preta- O debate sobre masculinidades negras proposto no livro é baseado em quais referências literárias, por exemplo?
Caio: Cada autor ficou livre para usar as referências que mais lhe cabiam na composição da obra. O meu capítulo é muito pautado pelos escritos de Frantz Fanon, Angela Davis e Osmundo Pinho.
Notícia Preta- Por que, mais especificamente os homens negros, precisam ler esta obra?
Caio: Porque há um debate público, midiatizado, sobre masculinidades que não necessariamente dá conta da existência social de homens negros, justamente pela questão das nossas particularidades. Eu acredito que os homens negros que lerem esta obra se identificarão em muitas medidas. É importante pela questão da representatividade.
Teria uma loja física em São Paulo que venda esse livro?
Oi, Filipe. Tudo bem? Não sabemos se tem uma loja física, mas você pode ver junto ao site da editora. Abraço!