O peso invisível da liderança negra

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Por Priscila Cabral*

Liderar é um desafio sobre o qual muito já foi e ainda é dito. Neste Novembro Negro, em meio às conversas e reflexões (infelizmente cada vez mais raras) sobre a pauta racial, me peguei pensando no que significa, na prática, ocupar um espaço de liderança sendo uma mulher negra. Começo com uma afirmação categórica: é viver em permanente teste de legitimidade! É estar sempre provando para os outros e, às vezes, para si, que o lugar que você ocupa é fruto de competência, não de concessão. 

Digo isso com a experiência profissional de ter passado por diferentes setores do mundo corporativo — varejo, tecnologia, financeiro, logístico, farmacêutico, entre outros — e também por organizações da sociedade civil. São instituições que têm suas políticas de diversidade, equidade e inclusão e lidam com essas agendas com razoável sensibilidade. Mas, sobretudo, minhas reflexões são fruto do que observo, escuto, leio e vivencio no debate público sobre lideranças negras e seu entorno dentro das organizações. 

Foto: Freepik

Há um peso invisível que nos acompanha. Ele se manifesta no tom de voz que precisa ser cuidadosamente dosado para não soar “agressivo”. No olhar que mede se você é “firme” ou “difícil”, nas avaliações sobre seu “jeito de liderar”. Quase nunca sobre os seus resultados. E, claro, na solidão que se instala quando, mesmo à frente de uma equipe, você percebe que não há ninguém atrás de você para lhe segurar se o chão abrir. 

Dizem que quem tem um propósito forte aguenta tudo, e eu acredito nisso. Mas aprendi que propósito não protege de estruturas, porque há contextos que se orgulham do discurso da diversidade, mas tremem quando a própria diversidade ganha voz, poder e autonomia. É aí que o jogo muda! E é aí que, muitas vezes, o sistema trata de nos empurrar de volta para o lugar seguro da invisibilidade. 

Importante ressaltar que nem sempre é sobre racismo explícito. Na maioria das vezes, é sobre o silêncio de quem decide não intervir. Sobre quem observa o desequilíbrio e finge não ver. É o silêncio institucional que protege o status quo e os privilégios ainda consolidados em espaços de poder, que se desfazem diante de uma mulher negra que chegou ali, que pensa alto, que propõe, que cobra coerência. 

A régua que mede sua entrega é sempre mais alta, e o acolhimento, mais baixo. O erro de um é lição; o seu é incompatibilidade. Ainda assim, seguimos, porque desistir nunca foi opção.

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Sigo acreditando na potência transformadora da liderança negra: não a que copia modelos, mas aquela que os reinventa. A que sabe ouvir e, ao mesmo tempo, contribuir com intencionalidade. A que se recusa a ser menor para caber no conforto alheio. 

Aprendi que estar em espaços que não foram feitos para nos acolher é, ao mesmo tempo, resistência e risco. Resistência, porque abrimos caminho para outras que virão. Risco, porque às vezes o preço é alto demais, sob vários aspectos, entre eles, a nossa segurança psicológica. 

Mas é importante que sigamos com os nossos saberes (inclusive os ancestrais), aprendizados contínuos e autoconfiança. Sempre acreditando na liderança como uma posição de diretriz, inspiração, cuidado e, principalmente, de sonho por estruturas mais justas e de resistência diante dos olhares que tentam diminuir a nossa luz. 

Priscilla Cabral é Executiva de Comunicação, com mais de 20 anos de carreira e passagens por organizações como Grupo Pão de Açúcar, Nubank e Todos Pela Educação.

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