Cirurgiã plástica bate um papo com NP e fala sobre autoestima, a estigma que cerca as mulheres e os procedimentos estéticos e o papel do cirurgião como agente de saúde.
A cirurgia plástica e os procedimentos estéticos têm se tornado um caminho para muitas pessoas que buscam mudar sua aparência e resgatar a autoestima com o que se vê no espelho, mas também levanta algumas questões sobre o número de procedimentos realizados e qual a linha tênue entre melhora da autoestima e a pressão para se encaixar aos padrões estéticos da sociedade.
Em entrevista ao NP, a cirurgiã plástica Dra. Abdulay Ezequiel, membra especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Associação Médica Brasileira, falou sobre autoestima, a estigma que cerca mulheres e os procedimentos estéticos, as pressões estéticas e o papel do cirurgião como agente de saúde.
Um relatório divulgado pela International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS) revelou que somente em 2024, mais de 17,4 milhões de procedimentos estéticos cirúrgicos foram realizados no mundo. O Brasil liderou o ranking global, com mais de 2,3 milhões de realizações de cirurgias plásticas.
Um número tão grande assim levanta algumas questões: Cirurgia é só estética e virou um grande varejo para os cirurgiões? Qual o papel desses profissionais como agentes de saúde? Dra. Abdulay Ezequiel defende que o médico cirurgião continua sendo o detector do conhecimento nas consultas e que precisa existir uma sensibilidade em cada caso, porque uma cirurgiã plástica mexe diretamente com a autoestima e como o paciente se vê: “Eu não vou ficar operando por operar, eu gosto de ser franca e falar com a paciente sobre o desejo real de operar. Eu entendo que se eu pensasse no comercial, se eu não levasse essas questões o faturamento seria maior, mas o meu objetivo não é ser uma faturista, não é um comercio, é cirurgia plástica, é medicina, é cuidar de pessoas”.
Já existem diversos casos onde os pacientes mostram na web, cirurgias que não deram certo, procedimentos que ficaram exagerados e pessoas que ficaram irreconhecíveis, a Dr. Abdulay reflete sobre esses casos e diz que é necessário uma conversa com o paciente sobre o que realmente um procedimento estético e o processo de uma cirurgia: “Pra mim é muito importante conseguir mostrar para essa pessoa que o procedimento cirúrgico tem chances de complicações, depende de uma boa dedicação no pós cirúrgico. Não é uma chave que liga e desliga e se vale a pena todo esse pós operatório“, conta a médica.
Mas cirurgia plástica também é um resgate da autoestima, existe um grande número de pessoas que buscam os procedimentos estéticos como uma forma de retomar sua autoconfiança e mudam seu estilo de vida e a forma que se enxergam após a cirurgia.
“Toda plástica tem um caráter reparador, que seja um implante de silicone. A forma com o que você se vê depois, até em uma entrevista de emprego muda. Então mesmo que esse procedimento seja por estética, também é um resgate da autoestima“,afirma a cirurgiã.
Filtro e vida real: a pressão estética nas redes
Vivemos na era das redes sociais e dos filtros que suavizam marcas de expressões, dão cor, afinam o nariz e aumentam os lábios na hora de postar uma selfie. De um lado pessoas que assumem que não conseguem postar mais sem filtro e outras que buscam procedimentos estéticos para ficar parecidas com o que se vê na foto.
A pressão estética faz com que muitas mulheres comecem a busca por preenchimentos labias ou rinoplastias para ficaram mais parecidas com o ideal de beleza visto nas redes, a Dr. Abdulay revela como esse ideal e a pressão cada vez chegando mais cedo impacta as mulheres que chegam no seu consultório:

“A rede social em relação as pacientes é muito dura, primeiro que quando a gente abre a selfie a estrutura fácil fica totalmente diferente, a câmera frontal já automaticamente muda a nossa imagem, pela forma. Então o que a paciente olha na foto e me mostra o que seria um defeito pra ela, não é o acontece, não é como as pessoas estão vendo e eu pontuo isso pra elas. Mas entender que o filtro que você acha que te deixou mais bonita em uma foto estática, preenchida talvez não seja tudo aquilo na vida real é muito conflituoso. E o meu papel é esse, mostrar que talvez tudo aquilo não combina com uma beleza da vida prática, quando você sorrir por exemplo“.
O papel dos filtros na mulher negra podem ser ainda mais impactantes, como pontua a Dr. Abdulay: “O filtro, pensando ainda mais no nosso contexto racial, da mulher negra, os efeitos afinam o nariz e aí vem um combo né, os efeitos de cor e aqueles que afinam o nariz e aí você fica tão acostumada a se ver daquela forma que começa achar que você precisa ter o nariz fino também e isso vai te embranquecendo“.
O preconceito vivido por mulheres e procedimento estéticos:
A pressão estética causa impacto mais fortemente em mulheres e é esse público que mais busca os procedimentos estéticos para melhorar ou modificar sua aparência, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) as mulheres representam 85,7% do número total de procedimentos estéticos, mas a procura masculina teve um aumento de 18% entre 2021 e 2022.
Mesmo com a quebra de tabus em relação aos cuidados, mulheres e procedimentos estéticos ainda sofrem alguns preconceitos. As mulheres por serem consideradas preocupadas demais com a própria aparência ou até mesmo futéis, no consultório Dr. Abdulay afirma que suas pacientes chegam quase pedindo desculpas por estarem procurando uma cirurgia plástica, sempre explicando os motivos do seu desejo de realizar um procedimento.
“Acredito que esse comportamento vem da construção que a mulher tem que se abdicar toda vez dela mesma. Esse lugar que somos colocadas de sempre estar em função do outro e tirar 30 dias de pós operatório simplesmente por querer se priorizar é visto como futilidade. Se esse desejo do procedimento estético fosse movidos para homens, eu tenho certeza que teriamos técnicas mais avançadas, outras formas de serem feitas e de ser encarado o procedimento estético de forma efetiva.”