Movimento I e II, obra em dois atos complementares, é fruto de um estudo-pesquisa, que chega aos palcos do Rio de Janeiro pela primeira vez, a partir de 1º de maio, no Sesc Copacabana – Mezanino, às 20:30. O projeto, que comemora 10 anos, estreou em tempos e contextos diferentes, no Brasil, em 2014, e na Alemanha, em 2018. Dirigido por Mario Lopes, a montagem é um manifesto político sobre o genocídio do povo preto.
O primeiro ato tem como objetivo dar sonoridade ao corpo e corpo ao instrumento. Ele dá vazão ao que começa nas sonoridades do passado e continua ecoando no presente e os movimentos seguem o compasso do comando, que deprime o batimento cardíaco, as palavras silenciadas que buscam se manifestar e a capacidade de contar e recontar.
Inspirado na frase encontrada na Academia de Polícia Militar na década de 1990, ‘Negro parado é suspeito, negro correndo é ladrão’, Movimento I, Parado é Suspeito, acontece para denunciar, em cena, os números alarmantes que quantificam a face do extermínio da população negra e o racismo estrutural presente nas instituições policiais.
Ele reforça ainda que o senso comum do brasileiro mediano é acreditar nos velhos estereótipos, sem realizar nenhum tipo de questionamento sobre como chegou-se ao ponto de “confundir” pessoas negras com marginais.
“Ainda hoje, para uma camada da sociedade, com poder respaldado por um sistema normativo e jurídico, ‘preto parado é suspeito, preto correndo é ladrão’? O Brasil continua sendo o pais que mais mata jovens negros no mundo, matando mais que países em situações de guerra?”, questiona Mario Lopes.
Já no segundo ato, o espetáculo reflete sobre o impacto no corpo em contextos estranhos, códigos sociais de comportamento, processos de adaptação física e momentos de confronto com o corpo percebido como estranho pela linguagem, cor da pele ou modos de ser. Aqueles que são reconhecidos como estrangeiros (pelo idioma, aparência e hábitos) buscam estratégias de camuflagem que lhes permitam entrar e penetrar nas “normas”.
Ainda de acordo com o diretor, o Movimento II vem complementar a obra anterior, com mais existências em cena, ampliando-a como uma experiência coletiva, como um feedback expandido do primeiro ato trazendo uma perspectiva desses mesmos corpos fora de seus países. Em 2017 oito artistas pretos brasileiros fizeram residência artística em Munique, na Alemanha, onde foi desenvolvido o “lado B” da peça.
Contemplado no edital de Cultura Sesc RJ Pulsar Corpo Negro 2023/24, o álbum coreográfico “Movimento I, Parado é Suspeito e Movimento II, Kodex Konflikt” é uma obra em dois atos que circulou fora do Brasil com reconhecimento em espaços importantes, como a Bienal de Arte Contemporânea de Berlim, em 2018.
Os dois atos da peça coreográfica se misturam e têm relação com dois momentos de sua vida, e de outras existências pretas. Primeiro, sendo um jovem preto da periferia de São Paulo tentando se deslocar no espaço-tempo da cidade. E o segundo, o que foi para ele passar por um processo de integração social como um jovem preto “Sudaka” na Baviera-Alemanha.
O Atlas da Violência, levantamento realizado pelo Fórum Nacional de Segurança Pública, mostra que 80% das mortes violentas no Brasil são de pessoas negras. Quando se fala em violência contra as mulheres negras, os números também são estarrecedores. A pesquisa Chacinas e a Politização das Mortes no Brasil, da Fundação Perseu Abramo revela que 67,4% dos feminicídios são realizados contra mulheres negras.
Voltando para o Brasil depois de 10 anos e completando 10 anos da estreia da obra Movimento I, que abre a trilogia “Movimentos”, o público é contemplado para reestrear dois movimentos no SESC Copacabana. “Movimento I, parado é suspeito” e “Movimento II, Kodex_Konflikt”, em dois atos em uma mesma noite.
“Pela primeira vez morando no Rio de Janeiro, me pergunto se o que compartilhamos em cena dialoga com o contexto atual desta cidade e do nosso Brasil de dentro e de fora. O que avançamos de 15 anos para hoje, em relação ao racismo estrutural que rege nossa sociedade?”, questiona Mário Lopes.
A PESQUISA
A pesquisa realizada por Mario Lopes é conceitual sobre Afrotranstopia e os materiais ou técnicas de movimento que trabalha atualmente são Kodex-Konflikt e Salivating the Knots of the Body. “A materialidade externa intrínseca que trago é a espuma, movendo-se como espuma. Afrotranstopia é a interseção entre tecnologias, existências e afrotranscendência. A afrotranstopia é uma tecnologia de re-existência como coletivo. É um antídoto para o grande vírus sindêmico que chamo de PACACO-bi, Patriarcado, Capitalismo e Colonialismo dentro de uma estrutura binária”, explica.
Mario Lopes reforça que a pesquisa o levou a um método ou técnica de trabalho para chegar a uma qualidade de movimento, que ele intitula de “Salivar os nós do corpo”. “Para chegar a essa metodologia de trabalho coreográfico, acessamos pontos, nós nódulos, espaços vazios e corpos estranhos em nossos corpos, ou seja, fazer uma mapeamento do estado do próprio corpo”, explica.
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“Essa obra não vem literalizar estas perguntas nem trazer respostas, mas sim compartilhar um estado físico e anunciar a chegada de um futuro afrotranstópico. Afrotranstopia é não correr mais atrás da luz do fim do túnel, que por mais que corremos, nunca chega. Afrotranstopia é se teletransportar direto para luz”, conclui.
SERVIÇOS:
Espetáculo Movimento I, Parado é Suspeito e Movimento II, Kodex Konflikt
Dias 1, 2, 3 e 5 de maio – No Mezanino – às 20:30
Sesc Copacabana – R. Domingos Ferreira, 160 – Copacabana, Rio de Janeiro
Entrada gratuita – As senhas são liberadas com 30 minutos de antecedência, por ordem de chegada)