A Medicina e a População Negra

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Por Dra. Thatiane Awo Yá* – Médica de família e comunidade

É sabido, historicamente, que a medicina surgiu no Egito, um país localizado no continente africano. Que o maior compêndio de saberes médico da Antiguidade, o Papiro de Ebers, foi escrito no Egito. Este documento contribui muito em conhecimentos para as bases e evolução da medicina.

A origem da cirurgia, da neurocirurgia, da utilização de próteses, da obstetrícia e ginecologia, proctologia, entre outras especialidades, já eram aplicadas e estão relatadas por gravuras e papiros. Portanto, a medicina é uma profissão que surgiu, fundamentalmente, no continente africano, e exercido inicialmente por pessoas pretas.

Foto: Freepik

O pai da medicina no antigo Egito denomina-se Imhotep, e além da medicina, exercia várias outras profissões. Mulheres egípcias tinham papel notório e relevante no exercício da profissão médica, como Merit Ptah e Peseshet, que inclusive chefiavam serviços de saúde. A Escola de Medicina era chamada Per Ankh, que significava Casa da Vida. Profissionais da medicina eram vistos com grande prestígio e respeito na sociedade egípcia, e acompanhavam ao Faraó intimamente.

Posteriormente, Grécia entra em contato com Egito e se apodera desses conhecimentos, que foram trazidos ao longo dos anos, até a atualidade. Desde a disseminação da medicina pela Europa, temos constatado cada vez mais a elitização de dita profissão, que em alguns momentos da história, utilizou-se de falsos saberes e teorias sem veracidade para justificar a supremacia de um povo sobre outros povos. Sim, infelizmente a medicina ocidental prestou-se a servir de forma tendenciosa e supostamente científica, para a desumanização de povos não europeus.

No Brasil, a primeira médica preta de que temos conhecimento foi Maria Odília Teixeira, nascida em 1884 e graduada em 1909, na Bahia. E, desde então, a existência e resistência de pessoas pretas na medicina é um desafio cotidiano. Como consequência de grandes lutas do movimento negro e, principalmente, do movimento de mulheres negras, a política de cotas raciais como ação afirmativa para a redução das disparidades no ingresso ao ensino universitário, tornou uma realidade mais palpável a presença cada vez menos tímida de pessoas pretas exercendo esta consagrada profissão.

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E como para demarcar território de poder, a fim de evitar a entrada deste novo (velho) perfil de profissionais na medicina, com objetivo de aniquilar a autoestima de pessoas economicamente desfavorecidas e minorias políticas no país, presenciamos, em pleno ano de 2022, estudantes de medicina entoando cânticos discriminatórios durante jogos universitários.

Essa atitude é, no mínimo, desanimadora, tendenciosa, preconceituosa, discriminatória e reprochável, posto que foram necessárias políticas públicas direcionadas a reduzir as desigualdades no acesso das minorias políticas populacionais, em profissões que foram destas distanciadas, devido ao contexto socio-histórico no qual está inserida como consequência ainda do processo de escravização, que deixou mazelas sociais com as quais ainda temos o infortúnio de conviver.

Assim sendo, enquanto mulher preta e médica, me faço instrumento de disseminação de informações sobre as nossas origens africanas, do nosso lugar de fonte de conhecimentos desde a antiguidade, para que possamos resgatar as nossas verdadeiras raízes e nos posicionarmos enquanto povo que contribuiu e contribui como fonte de saberes para a humanidade.

Para que, assim sendo, a nossa autoestima seja reestruturada e nossa dignidade recuperada. E que a medicina, exercida por mãos pretas, possa retirar estigmas negativos, e servir para restabelecer a saúde da população negra, incorporando elementos ancestrais na busca do equilíbrio e qualidade de vida. E por mais que a sociedade eurocêntrica não queira aceitar: é coisa de preto, exercer a medicina!

Thatiane Awo Yá é mulher negra, médica graduada em Cuba há 10 anos e atuante no Brasil, com especialização e residência medica em Medicina de Família e Comunidade, com ênfase em Saúde da População Negra, Ginecologia Natural, Medicina endocanabinoide, buscando associar essas praticas ancestrais de cuidado na manutenção da saude física, mental espiritual e emocional.

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