“Me sinto feliz por conseguir trabalhar e viver desse ofício, mas sinto que ainda sou uma exceção”, diz ator Murilo Sampaio

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O teatro chegou na vida de Murilo Sampaio na casa dos 20 anos quando já cursava direito, por incentivo do avô cantor lírico, como uma forma de aliviar o estresse da rotina agitada, aprender de forma lúdica, e também como uma forma descontraída de diminuir a timidez e melhorar a oratória. Mal sabia ele, que a atuação havia chegado para ficar. 

Hoje, já trabalhando como ator, Murilo Sampaio integra o elenco da série “DOM”, da Prime Vídeo, que está em sua segunda temporada. Nos episódios da próxima fase da série, que já estão sendo gravados, o ator vai se destacar como o grande vilão da trama. Mas antes de se jogar nessa nova profissão, Murilo trabalhou na ONG “A Arte Salva”, que funcionava no antigo aterro sanitário de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias. 

Murilo, que é baiano, chegou ao Rio de Janeiro já formado, e foi convidado pela fundadora da instituição, para ajudá-la a criar o projeto. Determinado a seguir na carreira do direito desde os 11 anos, Murilo afirma que com o passar do tempo foi entendendo que gostaria de advogar ao lado das questões sociais, que considera muito importantes. 

“Trabalhar com arte e educação com crianças em situação de vulnerabilidade é uma das chaves para um futuro coletivo melhor, além da promoção da dignidade”, diz Murilo, que considera esse um assunto muito sério. O advogado e ator acredita que trabalhar com direitos humanos significa ser politicamente ativo, e uma forma de fazer a sua parte enquanto cidadão.

“Acredito que trabalhar diretamente na defesa de direitos humanos é estar ativamente engajado na promoção da dignidade da pessoa humana em seu sentido mais amplo”, explica ele que pretende voltar a trabalhar na área, em algum momento. 

Já na área artística Murilo Sampaio já trabalhou atuando no filme “Pacificado”, e na TV já fez participações nas novelas “Malhação”, “Orgulho e Paixão” e “Segundo sol”, na Globo. Nos streamings, o ator participou da série “Justiça” e recentemente, esteve em “Todas a flores”, ambas também da Globo, mas também esteve nas séries “Impuros”, da Star+, e “Cidade Invisível”, da Netflix. 

Ao integrar o elenco de várias séries no streaming, filmes e fazer até participações em novelas, como um homem negro, Murilo diz que se sente uma exceção diante as desigualdades que a população negra ainda enfrenta. 

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“Embora hoje se tenha muito mais oportunidade no mundo das artes para pessoas pretas, na sociedade em geral ser preto ainda significa ter que transpor diversas barreiras políticas e socioeconômicas, o que reverbera em todo e qualquer caminho de escalada profissional”, que completa:  

“Me sinto feliz por conseguir trabalhar e viver desse ofício, mas repito, sinto que ainda sou uma exceção por conseguir furar o mercado de trabalho e por poder viver disso.”

O artista, que já fez algumas peças e integrou o Grupo Nós do Morro, também estará no filme “Vilã das Nove”, com Antônio Pitanga, e no longa “Oeste outra vez”. Mas ainda sobre ser um homem negro e  nordestino, ele reflete sobre como acha que o mercado costuma enxergar homens como ele. 

“Acredito que por muito tempo, como homens fadados a violência ou à miséria, essa talvez tenha sido a imagem destinada a homens nordestinos pretos no audiovisual no Brasil e fora dele. De uns anos para cá o mercado está mudando, nos enxergando no lugar de muitas possibilidades”, afirma. 

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E para Murilo, os motivos dessa mudança são muito evidentes. Uma delas, segundo ele, é a percepção de que pessoas negras constituem a maior parte da população, e que consome muita cultura e que agora quer se ver nela. 

“Outra razão é porque pretas e pretos estão ocupando cargos de desenvolvimento e poder nas diversas áreas do audiovisual e da cultura em geral, de modo que quanto mais narrativas feitas por nós são concebidas, cada vez mais nós estaremos representando e sendo representados nas telas e nos palcos” explica o ator, que reflete sobre os papéis que fez até agora.

“De 2016 para cá tive a oportunidade de fazer muitos personagens em muitas narrativas distintas. Essa possibilidade de homens pretos contarem histórias em posições diferentes, como de um dançarino a um advogado, para além de um policial ou traficante é um indicativo disto. O que buscamos é isso: poder contar todo tipo de história”, afirma.

Projetos autorais 

Murilo Sampaio também já tem alguns trabalhos autorais como o curta “Garotos ingleses”, que fez com o sócio Marcus Curvelo, e que foi até premiado como melhor curta brasileiro no “Olhar de Cinema” de 2022 e no “Panorama Coisa de Cinema”. Sobre esse reconhecimento, o também roteirista afirma que é algo bem recente, que ele encara como algo natural quando ele cumpre com o objetivo de atingir as pessoas.

“Eu logicamente fico contente, arte é atravessamento. Se a gente de alguma forma atravessa o outro, bingo! Entretanto, para mim tudo isso faz parte da ordem natural das coisas: a arte é sua expressão ideológica, se isso difundiu e chegou em pessoas, “massa”, cumpriu objetivo. Se elas entendem isso como bom ou relevante, melhor ainda”, explica.

E essa arte que cativou o jovem baiano, que transcendeu a atuação e chegou também até a possibilidade de roteirizar projetos audiovisuais, nasceu segundo ele de um “desejo de falar sobre o não dito e falar de outras formas sobre o já dito, como, por exemplo, o racismo e outras dores”, que foi dando caminho às suas obras.

Nelas, Murilo afirma retratar pessoas negras com um outro olhar. “No trabalho que desenvolvo enxergo homens e mulheres pretas como pluralidade, como possibilidades múltiplas que podem ser ora resistência, ora fragilidade, tudo isso com o direito, inclusive, de só ser o demasiado humano”. Com isso, o artista afirma que pretende mandar uma mensagem: que a ação e colaboração coletiva potencializa uns aos outros.

E o próximo projeto de Murilo, também com Marcus Curvelo, é o primeiro longa da dupla que está sendo desenvolvido, chamado “Isso Aqui Não É Uma Festa”, que se passa na eleição do último ano, mas com um toque de leveza e humor, garante Murilo Sampaio. “Falamos da desconstrução de símbolos nacionais em meio a corrida presidencial de 2022, tudo que circunspecta o passado histórico no sentido de refletir sobre o estado de coisas do Brasil de hoje. Tudo isso com algum humor e deboche”.

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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