“Minhas conquistas são recheadas de muita luta”, diz a multiartista Janamô sobre representatividade

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A atriz e cantora Janamô, que aparece na novela “Vai na Fé” como a funkeira “Vanessa”, também está em cartaz com o espetáculo “Marielle Presente, Uma Ópera Funk ou um Retrato Afetivo”, dirigido por André Lemos, em cartaz no Rio de Janeiro até domingo (02). Participando de projetos com outros artistas negros, a multiartista celebra este momento e reflete sobre representatividade.

“Sempre vou achar que precisamos avançar, afinal são mais de 500 anos de apagamento. Ainda sim, sou positiva e celebro as conquistas! É uma das minhas lutas repensar conceitos e aplicar nesse tempo, agora. Tenho 28 anos de carreira e poucas oportunidades me foram dadas pra desenvolver e representar narrativas positivas. Minhas conquistas são recheadas de muita luta e dizem respeito a quanto tempo eu suportei a apneia pra chegar até aqui”, diz Janamô.

A multiartista também conta que apesar de suas conquistas, não deixa de refletir sobre as dificuldades do cenário coletivo no meio artístico, que deixa de evidenciar outros grupos.

“Onde estão as narrativas positivas de uma pessoa negra retinta? Temos uma história de amor bem-sucedida de uma mana trans? E de uma portadora de deficiência? Temos uma história de uma pessoa indígena milionária? Se tá difícil pra mim, tá mais difícil ainda pra quem tem menos acesso, então minha luta não terminou porque alcancei algum espaço. Parafraseando a frase de Audre Lorde: Eu não sou livre enquanto alguma ‘minoria’ não o for, mesmo quando as correntes delas forem diferentes das minhas”, explica Janamô. 

Multiartista Janamô está em cartaz no espetáculo sobre Marielle Franco, e já estrelou o musical em homenagem a Elza Soares /Foto: Arthur Henrique Galvão 

A carreira da multiartista começou aos 14 anos, com o espetáculo “Antonio Conselheiro”, além de ter participado do “Musical Elza”, dirigido por Duda Maia, e atuado na peça teatral “Um Homem é um Homem”, com direção do Paulo José, do Grupo Galpão. Já como cantora e compositora, dividiu o palco com grandes artistas como Zeca Pagodinho, Seu Jorge e Tereza Cristina, além de ter músicas autorais escritas.

Toda essa trajetória profissional levou Janamô a ser premiada pela atuação no espetáculo “O Último Vôo do Flamingo”, do Mia Couto, realizado pela Companhia Terceira Margem, e a atuar no espetáculo de Marielle, no qual também assina a preparação vocal. A artista comenta sobre a força política do projeto, e o que é abordado.

“São muitas as metáforas dessa pesquisa e metodologia. A ausência de respostas nos mantém de punhos cerrados e contando os dias de espera por respostas. Quem foi o mandante? O que é normalizado em nossa sociedade? O espetáculo quer respostas sem enaltecer a figura ou personagem do assassino. O foco é a vida da Marielle, sua origem, seu legado e suas lutas”, explica a atriz.

Janamô destaca que a intenção é ressaltar o afeto e generosidade do contexto de vida e história da vereadora assassinada, que tem uma história que segundo ela, se conecta com outras mulheres negras.

“Fui jogadora de voleibol na adolescência como a Ani, tenho origem sertaneja, favelada, brejeira e sei bem dos atravessamentos do racismo no esporte e da xenofobia contra os nordestinos. E também me conecto à história de Marielle na busca por liberdade intelectual, por espaço político e por oportunidades justas”, diz a artista, ao explicar a proximidade que tem com as personagens da história.

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No espetáculo Janamô dá vida a Mônica Benício, a viúva de Marielle, que ela descreve como “uma mulher que se mantém na luta em busca de respostas e por transformação social”. São oito mulheres no elenco preparadas pela atriz que afirma que “a grande protagonista é a própria história que conduz o jogo”, e que o espetáculo é “um jogo vivo de atuação que já é uma marca no trabalho da companhia de teatro preto Confraria do Impossível em suas montagens”.

Assim como o espetáculo, a novela também possui um elenco de maioria negra, e mesmo percebendo os avanços nessa temática, Janamô se preocupa com o esvaziamento de conceitos como o da representatividade. “A luta antirracista ganhou um bordão famoso ‘Representatividade Importa’. O termo por si só não muda a realidade, infelizmente, começa a artista, que continua, enfatizando seu ponto de vista.

“A presença de corpos pretos, trans, indígenas, portadores de deficiência, na TV, no comercial, nos filmes é importante para a construção de um imaginário e de um cenário mais próximo da realidade igualitária que nesse momento diz a “Representatividade Importa”, explica a multiartista, que não considera a aparição como representatividade, e sim representação. 

“Representatividade é mais que isso, envolve o poder de decisões, modificar a estrutura de dentro pra fora, nas percepções, conceitos, colocações e expressões. Passei por experiências profissionais e pessoais em que brancos decidiram sobre a minha representação e representatividade, o que traz a reflexão de que é importante e necessário a  presença de pessoas pretas e diversas na idealização, na direção, na sala de roteiro e em lugares com poder de decisão como um todo. Me interessa idealizar projetos, assinar o cheque e contar narrativas emancipadoras e lado a lado com meus semelhantes”, declara Janamô.

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Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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