“Devemos cobrar ampliação do acesso a métodos reversíveis”, diz ginecologista sobre nova lei da laqueadura

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Já está em vigor a Lei 14.443, de 2022, sancionada em setembro de 2022 que colocou fim à obrigatoriedade de aval do cônjuge para procedimentos de laqueadura e vasectomia. A lei também permite que pessoas a partir de 21 anos possam se submeter ao procedimento, sem a obrigatoriedade de ter pelo menos dois filhos vivos.

Além disso, a lei prevê que haja um prazo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, servindo também para as mulheres que queiram realizar o procedimento durante o parto, desde que se espere 60 dias entre a manifestação da vontade e o parto. Vale destacar que, neste período, a pessoa poderá ter acesso a aconselhamento por equipe multidisciplinar para desencorajar a esterilização precoce. 

Já está em vigor a Lei 14.443, de 2022 /Foto: Freepik

Para a médica ginecologista e obstetra, Mariana Ferreira, na prática, a nova lei impacta diretamente na saúde de mulheres negras, uma vez que a população que mais depende do Sistema Único de Saúde (SUS) é negra e, de acordo com a médica, também são vítimas de um processo excludente. 

“Possivelmente mulheres negras e pessoas que gestam negras, são os grupos que menos têm acesso a métodos contraceptivos e frequentemente se deparam com violações no que diz respeito aos seus direitos sexuais e reprodutivos”, explica a Dra. Mariana Ferreira, que expõe como a nova lei pode mudar a vida dessas mulheres. “Neste sentido, a lei vai ampliar o acesso à contracepção definitiva principalmente através do SUS a estes grupos mais vulneráveis”.

A Dra. Mariana Ferreira acredita que diante do alto número de gestações não planejadas, permitir que as pessoas tenham o direito de decidir se querem ou não gestar é importante. “Devemos oferecer autonomia para decidirem sobre seus corpos. Neste sentido, a necessidade de autorização do cônjuge era uma exigência absolutamente antiquada e ultrapassada. Sendo assim, a nova lei contempla uma reivindicação de muitos anos de lutas, especialmente das mulheres”.

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A ginecologista e obstetra destaca que outro avanço apresentado pela nova lei é facilitar a realização do procedimento logo após o parto. “Muitas mulheres não conseguem mais acessar o serviço de saúde após esse período pois precisam cuidar dos filhos pequenos. E muitas vezes quando procuram, já estão em uma nova gestação. Na prática, essa restrição era um grande entrave”

Mas a médica conta que, por ser um método definitivo, a laqueadura não é adequada a todos e faz um alerta sobre a aplicabilidade da lei, que deve vir junto com o acesso a métodos reversíveis, para que as pessoas possam definir quando desejam gestar. 

“Acompanhada da lei devemos cobrar ampliação do acesso a métodos reversíveis. Acreditar que tudo está resolvido é excludente e elitista, já que não oferece outros caminhos as mais vulneráveis. Deve ocorrer simultaneamente ampliação de oferta a métodos reversíveis em todas as faixas de idade e contextos inclusive no pós-parto imediato, com disponibilização de métodos contraceptivos reversíveis de longa duração como o Diu”, explica.

Dra. Mariana Ferreira, Ginecologista e Obstetra /Foto: Gabriella Maria

A advogada e doula Luísa Saraiva partilha da mesma opinião sobre a laqueadura. “Percebe-se que é uma mudança de tamanho progresso para as políticas de saúde. Entretanto, leis como essas sem políticas públicas aprofundadas na instrução sobre saúde reprodutiva, gera práticas abusivas por setores da sociedade”, e ainda completa destacando a importância da ação da equipe de planejamento familiar. 

“A partir das mudanças da nova lei, há uma obrigatoriedade de a equipe multidisciplinar aconselhar sobre o que realmente se trata a cirurgia, sobre métodos alternativos ao procedimento, tendo como objetivo levar a uma educação sexual e também impedir que ocorra a negligência médica”, informa.

“Essa medida traz uma responsabilidade para o setor de departamento familiar em se dedicar a providenciar um atendimento humanizado para quem se interessou em fazer a técnica de contracepção”, acrescenta. 

A advogada e doula Luísa Saraiva ressalta que a laqueadura é um direito da mulher – Foto por Robert (@nonatofotografia) e @studio_beco

Dentro dessa discussão, Luísa Saraiva relembra da “CPI da Esterilização” elaborada a partir do requerimento da deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ), que mostrou a negligência com relação à sua saúde sexual reprodutiva a que as mulheres brasileiras estavam sendo submetidas e que deu origem à Lei do Planejamento Familiar (Projeto de Lei 9.263/1996). 

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“Percebe-se, assim, que para mulheres negras o acesso à laqueadura era pleno, mas não por um meio de educação reprodutiva, por escolha da mulher preta ou por planejamento familiar. O procedimento era feito por esse grupo vulnerável não ter conhecimento de outros meios de se contracepção”, explica Luísa que completa, reconhecendo o avanço proposto pela lei, mas refirmando a necessidade e a importância de aplicá-la com responsabilidade.

“É importante reconhecer a potência que é o poder de escolha de uma mulher, mas é importante que tenhamos senso crítico para refletir se todas os tipos de mulheres da sociedade vão usufruir desse poder de escolha na plenitude (segurança, acesso à informação, dignidade no atendimento)”, conclui.

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Formada em Jornalismo em 2021, atualmente trabalha como Editora no jornal Notícia Preta, onde começou como colaboradora voluntária em 2022. Carioca da gema, criada no interior do Rio, acredita em uma comunicação acessível e antirracista.

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