É sempre dito que a mulher negra é colocada como parte da classe subalterna, e desvalorizada. Em entrevista exclusiva ao Notícia Preta, a Diretora Executiva do Fundo Agbara, Aline Odara debate a situação da mulher negra brasileira, e o papel de seu projeto em concreto, que é uma entidade que busca justiça para mulheres negras.
Para Aline, a justiça econômica é um caminho viável para solucionar as distorções e desigualdades criadas pelo racismo. “A justiça econômica é um dos pilares mais sólidos para enfrentar as desigualdades estruturais causadas pelo racismo, dentro desse nosso modelo de organização econômica, onde dignidade, oportunidades e bem-viver, passam necessariamente pelo acesso a direitos econômicos. Quando mulheres negras têm acesso a oportunidades, não apenas suas vidas mudam, mas também as de suas famílias e comunidades. Isso cria um efeito que consolida a mudança e quebra as estruturas do racismo”, argumenta a executiva.
Para Aline, o racismo estrutural historicamente negou essas oportunidades, e tem como missão no Fundo Agbara construir soluções holísticas e complexas, transferindo renda, promovendo formações técnicas e sócio emocionais, gerando dados, fazendo incidência política baseada em evidências, entre outras soluções que só a visão interseccional de mulheres negras é capaz de criar.
Segundo o DataSenado, a maior parte das mulheres negras que não têm renda suficiente para se manter e que sofreram violência doméstica, convivem com o agressor. O último relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades também mostra que a Insegurança alimentar é maior para mulheres negras.
Formada em pedagogia e ciências sociais, Aline se sente uma mulher mobilizadora desde a infância. E guarda muitas memórias mobilizando outras crianças pra buscar recursos e criar espaços e infâncias mais lúdicas.
“Sempre liderei e gostei de liderar. Era uma criança muito sonhadora, mas com a chegada da adolescência e aquele sentimento intenso de inadequação de jovens negros, com as responsabilidades que foram chegando, como o cuidado com a casa e meu irmão mais novo, eu parei de sonhar. Não tinha mais ambições. Queria apenas terminar a escola e partir para o mercado formal de trabalho. Não pensava sequer em fazer faculdade. Mas em todas as fases me acompanhava um sentimento tímido de que eu ainda faria algo grande e relevante na vida”, contou ela sobre sua infância.
Não sabia exatamente o que seria, mas aos 34 anos resgatou a liderança potente que havia dentro de si, para liderar a criação de um “despretensioso” projeto que viria a se tornar o fenômeno que é o Fundo Agbara, o primeiro fundo de mulheres negras do Brasil.
Aline tem o reconhecimento da realidade concreta como estratégia para modificar esse panorama de subalternização da mulher negra, ela explica que o fundo atua em três frentes principais: capacitação, financiamento e visibilidade. Além de promover programas de formação que ampliam o acesso a ferramentas para desenvolvimento pessoal e profissional. Também oferece apoio financeiro por meio de investimentos direcionados a iniciativas lideradas por mulheres negras.
“Minha formação em ciências sociais e pedagogia foi a base para entender os mecanismos que perpetuam as desigualdades. Sempre vi a educação como uma ferramenta de libertação, e isso sustenta minha visão. Hoje em dia entendo que, para além da acesso a educação superior de qualidade, precisamos criar oportunidades reais de inclusão produtiva da população negra, ou então criaremos um imenso exército de pessoas negras altamente qualificadas, mas desempregadas”, explica.
Segundo ela, a criação do Fundo Agbara foi uma resposta à necessidade de agir de forma mais direta e prática durante a pandemia. Após o início do fundo, ela aprofundou seus estudos em gênero e raça, porque entendia que esses temas são inseparáveis quando se fala de justiça para mulheres negras.
“É um processo de pesquisa e aprendizagem contínuas, além de muita curiosidade, o que me faz entender cada vez mais como articular soluções efetivas. Hoje, o Fundo Agbara é a materialização dessa trajetória, unindo teoria e prática para gerar impacto e promover emancipação socioeconômica e bem-viver para mulheres negras de todo o Brasil”, concluiu.
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