Assim como a Imprensa Negra no Brasil, nos Estados Unidos (EUA), os primeiros veículos antirracistas nasceram no século XIX. Em passagem pelo Brasil, a jornalista norte-americana Sara Lomax, recebeu o repórter Thayan Mina, do Notícia Preta, para um entrevista exclusiva. A CEO da única rádio antirracista da Filadélfia, no estado da Pensilvânia, explicou sobre a experiência da imprensa negra norte-americana.
A empresária veio ao Brasil a convite de uma parceria entre o Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que promoveram um curso que contou com intercambio entre os veículos brasileiros e americanos da imprensa negra.
A jornalista conta que o primeiro periódico nasceu em 1827 e se chamava Freedom Journal (Revista Liberdades). Sara afirma que esse jornal foi fundado por dois homens negros, Samuel E. Cornish e John B. Russwurm. Ela faz um aceno sobre a comunicação já existir desde 1619, pois segundo ela, “o drama sempre existiu e houve maneiras pelas quais nos comunicamos”.
Quando começou o Black Mídia (Imprensa Negra)
“Eles começaram em Nova York e a escravidão ainda era legal no estado em 1827. A revista foi criada especificamente para defender da liberdade dos povos africanos escravizados na América. Em 1847, Frederick Douglass fundou o jornal North Star (Estrela do Norte) e também era sobre a libertação dos negros escravizados, a escravidão não foi abolida até 1865 na América”, disse.
No Brasil o primeiro jornal da Imprensa Negra surgiu em 1933, o jornal O Homem de Côr, mas da mesma maneira, sobrevivia a períodicos escravistas, tal qual nos EUA, e não teve uma duração muito grande, outra característica que ela destaca sobre os primeiros periódicos.
“Eles duraram apenas um ou dois anos. Eles duraram muito pouco tempo porque era muito difícil de fazer. Sempre foi difícil fazer com que a mídia negra tivesse sucesso”, explicou.
Influência da Mídia Negra dos EUA nas pessoas brancas
A jornalista e empresária também destaca a relação entre as mídias antirracistas com pessoas brancas norte-americanas.
“Sempre houve o que chamamos nos Estados Unidos, aliados brancos, você sabe, pessoas brancas que foram abolicionistas, que fizeram parte da luta negra. Mas são poucos. Acho que a realidade na América é que existem muitos privilégios. Há muitos benefícios em ser branco. Mesmo que você não tenha dinheiro, existe o privilégio de você ter benefícios e acesso a coisas que os negros não têm, na América”, explica.
Sara contou que há entre os brancos americanos, uma teoria chamada “uma gota de sangue”. Caso a pessoa fosse afrodescendente e tivesse ancestralidade negra, estava sujeito a subjugação jurídica e social dos negros.
“Você poderia quase parecer branco, mas se você tivesse uma gota de sangue preto, você seria considerado negro e assim por diante”, conta.
Colorismo
A empresária também explicou que a divisão social do trabalho entre os considerados negros se dava através da coloração da pele nos Estados Unidos. A jornalista diz que durante a escravidão, pessoas de pele clara ou que pareciam mais brancas tinham trabalhos melhores, mais confortáveis na casa, em vez de estar no campo, e isto criou uma divisão na comunidade negra.
Para ela, os brancos americanos usam de todo seu privilégio e ela classifica o racismo como uma droga. Mas também acredita que a mídia antirracista possa contribuir para educar os negros e que isso dá voz para que a população negra consiga contar a própria história.
“Há muitos brancos que ouvem minha rádio para saber o que os negros estão fazendo e pensando. Eu acho que a cultura negra é provavelmente isso. Permite que mais pessoas abracem aspectos da negritude por causa da música, da arte. A cultura é algo que toca e emociona muitas pessoas, mas eles tentam separar isso da política e da economia, como aquilo que é a realidade“, colocou.
Sara explica que a mídia negra americana abre os olhos e denuncia as condições de vida da população negra, sobre falta de saúde, de emprego e a violência.
Interseccionalidade
A empresária usa a interseccionalidade como chave de leitura para os problemas raciais, mas também procura achar soluções dentro dos problemas colocados.
“É tudo uma questão de interseccionalidade. Entre negros, latinos, nativos americanos, sul-asiáticos e asiáticos, como pessoas de cor. E como podemos? Como podemos combinar nosso poder para sermos mais poderosos?”, questiona a intelectual. Para ela a Imprensa Negra americana ocupa um espaço de representatividade e voz dessas minorias, nas redes, nas rádios e nos textos e encontra maneiras de conectar as minorias.
Racismo Ambiental
Já sobre o conceito de Racismo Ambiental, a jornalista explica como funciona na comunidade em que vive e trabalha nos EAU.
“Não estamos fazendo um bom trabalho nisso no geral. Quer dizer, no trabalho que faço, temos uma iniciativa chamada Eco World, que é toda sobre racismo ambiental e justiça ambiental, que tenta aumentar a conscientização sobre o fato de que as comunidades negras são desproporcionalmente impactadas pelo meio ambiente: poluição, despejo de lixo, etc”, explica.
Sara entende que o primeiro passo é garantir que comunidades negras saibam que isso está acontecendo e que isso impacta a capacidade de aprender e de crescer das crianças negras. Ela diz que há muitos problemas de saúde associados ao fato de todo esse ambiente ser afetado por essas questões.
A saúde mental também foi abordada na entrevista. As condições vulneráveis de vida dos negros acaba não permitindo se preocuparem com outras questões que parecem remotas.
“Ter que trabalhar em dois ou três empregos ter que cuidar de tanta coisa que você não tem tempo para se preocupar com essas questões sociais. Mas somos nós que mais sofremos por causa disto. Então eu acho que o primeiro passo é aumentar a conscientização e depois deixar as pessoas saberem que há coisas que podemos fazer para mudar isso e é isso que fazemos com o nosso trabalho que fazemos na mídia negra”, concluiu.
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