No dia 13 de maio de 1888 foi promulgada a Lei Áurea no Brasil, estabelecendo o fim da escravidão. Nesta data, em que a abolição da escravatura é alvo de diferentes reflexões, o Notícia Preta conversou com a historiadora Lívia Teodoro, que afirma que classificar o feito como uma ‘falsa abolição’ é justificável, sem se referir aos documentos assinados, e sim sobre a ausência de políticas públicas após a assinatura.
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“A falta de medidas de reparação e de inclusão social e econômica para os libertos comprometeu a legitimidade do processo abolicionista, transformando-o, de fato, em uma mera formalidade legal. Essa percepção é reforçada pela expressão ‘lei para inglês ver’, originada da pressão internacional exercida sobre o Brasil para abandonar o regime escravagista, considerado arcaico e incompatível com os padrões de modernidade da época“, afirma a historiadora.
Segundo a especialista, um exemplo de políticas reparatórias que possuíam potencial de “erradicar as estruturas que sustentavam o sistema escravista“, que não foram implementadas, são as ligadas à educação.
“Embora não tenha existido uma lei explícita proibindo os negros de frequentarem as escolas após a abolição, a falta de medidas para reverter a legislação anterior, como a Lei de 1827 que proibia a entrada de pessoas escravizadas nas escolas públicas, demonstra a inércia do Estado em promover uma inclusão efetiva. O artigo do Estatuto referido estabelecia: ‘Fica proibido desde já receberem-se nas aulas públicas pessoas que não sejam livres‘”, destaca a historiadora.
Lívia aponta que apesar da lei considerar todos livres após a abolição, “a ausência de iniciativas para incentivar o acesso à educação para a população negra ignorou os danos causados pela aplicação desse dispositivo legal ao longo de 61 anos“, e por isso, a Leia Áurea não foi de fato, libertadora.
“As profundas cicatrizes deixadas pelos mais de 300 anos de escravidão exigiam medidas mais abrangentes e substanciais para iniciar o processo de cicatrização e inclusão social“.
Lutas e conquistas
Lívia pontua que “é sempre importante avaliar positivamente os avanços conquistados com a luta“, mencionando nomes como de Regina Santos, Milton Barbosa, Lélia Gonzales, Abdias do Nascimento. Antes deles, Luiz Gama, André Rebouças, o jangadeiro Dragão do Mar e Maria Firmina dos Reis, lutaram junto a movimentos como a revolta dos Malês, na Bahia, em prol da abolição, e na busca por direitos após a Lei Áurea.
“O “Movimento Negro Educador”, de Nilma Lino Gomes, é um bom exemplo para avaliar nossos avanços. É sempre preciso considerar que seguiremos fazendo transformação com a educação e acredito que só foi possível chegar até aqui com ela“, explica a historiadora, que o acesso da população negra aos direitos civis e à democracia, continua.
“A busca por uma democracia genuína e pela plena garantia dos direitos civis para a população negra demanda uma análise crítica das estruturas sociais e políticas que perpetuam a desigualdade racial. Embora a legislação brasileira proclame a igualdade de todos perante a lei, a realidade evidencia disparidades gritantes“.
A falta de democracia e a presença da violência policial nas periferias e favelas, segundo Lívia, é um exemplo de como o acesso à plena cidadania e participação política é negada a essa parcela da sociedade, como consequência do sistema escravocrata e ausência de políticas públicas, que de acordo com a historiadora, não se dará apenas pela educação.
“Essas políticas devem visar não apenas a compensação por injustiças passadas, mas também a criação de oportunidades e condições equitativas para que as próximas gerações da população negra possam prosperar. Somente por meio de um compromisso coletivo com a justiça social e a igualdade de direitos é que poderemos construir uma democracia verdadeiramente inclusiva e representativa para todos os cidadãos brasileiros“.