“Carolina não é só um exemplo para mulheres, mas para homens negros também”, diz filha de Carolina Maria de Jesus 

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Carolina Maria de Jesus, autora de “Quarto de Despejo” é nome de honra do festival Paixão de Ler, da Secretaria Municipal de Cultura do Rio. Nesta que é a 31ª edição do evento, não só Carolina é homenageada, mas também Luís Gama e Lima Barreto. Três autores negros que viveram em época diferentes, mas que se conectam por meio do tema do evento em 2023: “Imaginação, Escrita e Palavra: Liberdade”.

A partir desta sexta-feira (01), o festival se integrará à Bienal do Livro, no RioCentro. Quem visitar, poderá participar uma série de palestras, debates, atividades lúdicas e oficinas temáticas na 40ª edição da Bienal, que vai ocorrer até o dia 10 de setembro, e os ingressos estão disponíveis para compra no site bienaldolivro.com.br.

Uma mulher transexual em Salvador, uma mulher agredida pelo marido e uma aluna de escola pública. Três personagens da vida real salvas por Carolina Maria de Jesus. “Conheci uma mulher transexual que me convidou para um desfile de moda. Ela cresceu em Salvador, raramente saindo de casa e encontrando refúgio nas bibliotecas. Foi lá que ela descobriu ‘Quarto de Despejo’. Hoje, tenho a honra de vestir uma de suas criações, todas inspiradas em Carolina Maria de Jesus”, contou Vera Eunice, durante abertura do Paixão de Ler, no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), na Gamboa. 

Vera Eunice continuou seu relato, destacando o poder transformador da obra de sua mãe, Carolina Maria de Jesus. “Conheci uma mulher que, após ser agredida com uma panela de pressão, se recusou a ser fotografada. Ela encontrou sua libertação ao ler Carolina. É impressionante como a obra dela empodera as pessoas”, observou.

A autora mineira Carolina Maria de Jesus será homenageada em evento /Foto: Divulgação

Ela também relembrou um episódio em que a influência de sua mãe foi decisiva: “Decidiram mudar o nome da escola na favela do Canindé, onde minha mãe nasceu. Quando cheguei lá, uma jovem me abordou, dizendo que queria renomear a escola como ‘Carolina’, em lugar de ‘Infante Dom Henrique’, que tem uma história de separar filhas de suas mães. Ela conseguiu me convencer de algo que nem o diretor da escola tinha conseguido”.

Para Sinara Rúbia, anfitriã e diretora do Muhcab, iniciar o Festival Paixão de Ler no equipamento cultural não apenas destaca o protagonismo do território, mas também confere um significado simbólico profundo. “Há uma ressonância especial em lançar o evento no Muhcab, um bastião de história e resistência localizado na região conhecida como Pequena África”, sublinha.

O Secretário Municipal de Cultura, Marcelo Calero, concorda e reforça a longevidade do festival. “O Paixão de Ler é o mais longevo projeto da Secretaria Municipal de Cultura e ocorre em paralelo à Bienal do Livro, o maior evento literário da América Latina”. Sobre Carolina Maria de Jesus, o Secretário ressalta que a autora tem passado por uma reavaliação merecida, sendo elevada ao patamar de destaque que sempre deveria ocupar. “O objetivo da Secretaria com este evento é reforçar a representatividade cultural e exprimir de maneira inequívoca nosso posicionamento político”, conclui Calero.

Calero é autor do projeto de lei que alça Lima Barreto ao título de herói nacional.

Para Aladia Araújo, gerente de Livro e Leitura da Secretaria Municipal de Cultura, ressalta a importância do evento em sua 31ª edição por homenagear, pela primeira vez, três autores pretos. O festival só havia homenageado uma autora negra anteriormente, Sonia Rosa, em 2021. “Foi um desafio porque, se pensarmos numa ordem cronológica, esses três autores não foram contemporâneos. A nossa vivência enquanto pessoas pretas nos conecta independente do tempo. A literatura serve como uma ferramenta de libertação”, comenta Aládia.

“E não esperem falarmos apenas de dor, sofrimento e racismo, afinal, já nascemos especialistas nisso. Queremos também abordar questões de amor e delicadeza. O letramento racial vai além de ensinar as pessoas a não serem racistas. A campanha visa alcançar inclusive as crianças, usando elementos lúdicos para sensibilizar e educar desde a infância”, conclui.

Ali, ao lado do Muhcab, está o Cais do Valongo, o principal ponto de chegada de pessoas escravizadas na América. “Estamos literalmente na ‘rua do cemitério,’ um território marcado pelas cicatrizes dessa dolorosa chegada,” observa Sinara Rúbia, diretora do Muhcab. “Este mesmo espaço é também um local fértil para a produção de conhecimento. Nós, como pessoas pretas, frequentemente não temos a oportunidade de contar a história do Brasil, apesar de sermos protagonistas nela. Vivenciamos essa dualidade — a dor e os traumas do passado coexistem com um renascimento cultural. Na plantação de café, por exemplo, surge o Jongo; e nas fazendas de algodão da Virgínia, o jazz nasce como um tributo e valorização de nossos ancestrais.”

Na sexta-feira, 1º/09, o estande do Paixão de Ler será inaugurado com Roda de Jongo, do Coletivo artístico as MariAmas, que também irá lançar seu livro. Além disso, dezenas de atrações tomam conta do espaço, com um ambiente “instagramável”.

O festival da Secretaria Municipal de Cultura ampliará seus horizontes e marcará presença em todas as bibliotecas e espaços de leitura da rede municipal, além das lonas, arenas e areninhas. Os encontros serão totalmente gratuitos, garantindo acesso a residentes de todas as regiões: Zona Norte, Oeste, Sul e Centro.

A agenda completa do Paixão de Ler 2023 pode ser vista no site cultura.prefeitura.rio/paixao-de-ler e no Instagram @cultura_rio.

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