Lançada nesta sexta-feira (19), a pesquisa “Mesmo que me negue sou parte de você: Racialidade, territorialidade e (r)existência em Salvador”, realizada pela Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, mostra que a promoção à vida e o cotidiano de violência são organizados racialmente na capital baiana. O estudo evidencia que bairros com menor cobertura de políticas públicas e equipamentos de cultura e saúde têm mais notícias sobre violência e mostra que a guerra às drogas tem endereço.
Entre junho de 2019 e fevereiro de 2021, a Iniciativa acompanhou e monitorou as notícias de eventos violentos na cidade, a partir do banco de dados do Monitoramento da Violência, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança e também com base em respostas da Lei de Acesso à Informação.
Para o historiador Dudu Ribeiro, co-fundador da Iniciativa Negra, “essa pesquisa evidencia que a política de segurança pública de guerra às drogas é um pretexto de um Estado racista para aprisionar, matar e controlar a população negra”. Ainda segundo ele, a não-promoção de políticas públicas nos territórios negros de Salvador e a promoção delas nas poucas áreas majoritariamente brancas denunciam a negação da cidadania negra, que se mostra pelo cerceamento dos direitos à cidade, à dignidade e à vida.
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A Rede de Observatórios monitorou 3.040 eventos de violência, constatando que os bairros onde se identifica maior registro nas mídias de casos relacionados à violência são territórios majoritariamente negros. Dentre eles, destacam-se: São Cristóvão, Mata Escura, Sussuarana, Itapuã e Lobato. A pesquisa revela que “considerando os poucos bairros da cidade que possuem entre seus habitantes majoritariamente pessoas brancas, nenhum desses aparece de forma significativa no monitoramento das notícias, trazendo à vista como o uso da violência se organiza na cidade”.
Mídia e violência
O estudo também traz o papel das mídias de grande circulação na capital baiana, que “distingue, sem dar nomes, os territórios criminalizados dos territórios intocáveis”, estereotipando e trazendo uma semiótica de territórios “naturalmente” violentos.
Sobre o papel dos meios de comunicação, o relatório identifica também que a cobertura midiática privilegiou notícias de ações de patrulhamento policial, sendo 801 ações de policiamento e 212 de operações policiais, mas que muito pouco foi noticiado sobre os efeitos letais destas ações.
Para Ana Míria Carinhanha, coordenadora de pesquisa da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, “ser a cidade mais negra fora do continente africano não evitou que fôssemos criminalizados e tivéssemos nossos direitos ameaçados”, afirma. Ela ressalta ainda que existe uma política estatal muito clara de marginalização e extermínio dos negros. “Nosso objetivo é exatamente demonstrar esta realidade, tanto pelos registros de órgãos do Estado, pela semiótica construída através de notícias de veículos homogêneos, pela percepção de lideranças de bairros e coletivos e pela promoção e não-promoção de políticas públicas voltadas à qualidade de vida em determinados territórios de Salvador”, comenta.
Outro dado relevante sobre a territorialidade da guerra às drogas é que as abordagens em cada bairro são diferentes acerca do mesmo assunto e as consequências para esta questão são desproporcionais também. Segundo a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, entre janeiro e dezembro de 2020, os bairros que reúnem a Área Integrada de Segurança Pública (AISP) da região de Periperi, majoritariamente negra, registraram 79 ocorrências por uso/porte de substâncias, ao passo que o número de homicídios dolosos e violências somaram 209 registros. Enquanto isso, na AISP 01 – Barris, região conhecida como “Centro da Cidade”, com maior concentração de pessoas brancas, foram registrados 151 casos de uso/porte de substâncias entorpecentes e, ao mesmo tempo, houve 33 casos de homicídios dolosos.
De acordo com a pesquisa, estes dados comprovam que, em áreas compostas por população majoritariamente branca, o número de crimes violentos é baixo e o número de ocorrências relacionadas ao uso/porte de substâncias entorpecentes é expressivo, em comparação a outros territórios, onde a violência se dá de forma mais aguda. Um exemplo é o bairro de Pituba, composto por maioria branca, que tem altos índices de registros de uso/porte de substâncias entorpecentes e nenhuma morte violenta; em comparação, o Nordeste de Amaralina, território majoritariamente negro, aparece com menor número de registros de uso/porte de entorpecentes e maior número de mortes violentas.
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