Ana Cristina Gayotto de Borba, esposa do desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (SC) Jorge Luiz de Borba, foi inserida na Lista Suja do trabalho escravo, em atualização realizada nesta quarta-feira (09). Os dois são investigados por, segundo o Ministério Público do Trabalho, manter Sônia Maria de Jesus, uma mulher negra e surda, em situação análoga à escravidão. Sônia chegou a ser resgatada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na casa deles, em Florianópolis.
A lista é desenvolvida pelo MTE, por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho, e publicada em portaria Interministerial com o Ministério dos Direitos Humanos e o Ministério da Igualdade Racial. Na lista, consta a casa de Ana Cristina como o estabelecimento em que a infração ocorreu, com apenas um trabalhador envolvido. O nome do desembargador não consta na lista.

De acordo com o MTE, são feitas ações de fiscalização da Inspeção do Trabalho, e quando são encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão, são registrados autos de infração para cada irregularidade trabalhista identificada. “Esses documentos comprovam graves violações de direitos. Além disso, é lavrado um auto de infração específico que descreve a situação de trabalho análogo ao de escravo. Cada auto dá origem a um processo administrativo, no qual os empregadores têm garantidos seus direitos de defesa, podendo apresentar argumentos e recorrer em duas instâncias“.
Depois, a inclusão de pessoas físicas ou jurídicas no Cadastro de Empregadores, segundo o MTE, “só acontece após a conclusão do processo administrativo que analisou o auto de infração por trabalho análogo ao de escravo. Para que o nome seja incluído, é necessário que a autuação tenha sido considerada válida em decisão final, sem possibilidade de recurso“.
O Notícia Preta entrou em contato com o MTE para verificar detalhes da inclusão do nome de Ana Cristina Gayotto de Borba na lista, mas até o fechamento da materia, não obteve resposta. A defesa da esposa e do desembargador também não se manifestou sobre o caso até o momento.
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Entenda o caso
O caso de Sônia tomou proporção nacional, por conta do tempo e das condições em que era submetida, quando foi resgatada em 2023, na casa do desembargador. Ele e a esposa são investigados por supostamente terem submetido Sônia à condição análoga à escravidão por 40 anos.
De acordo com o defensor público da União (DPU), William Charley, que atuou no caso da Sônia, a mulher com mais de 50 anos é surda, e nunca teve educação formal, além de não ter vida social fora do núcleo dos Borba, e sem acesso à saúde. Ele tambem informou que Sônia comecou a fazer trabalhos domésticos aos nove anos, é analfabeta.
“Perguntei ao desembargador, por que o senhor não colocou a Sônia na escola? ‘Não, porque ela não aprendia nada. Ela é incapaz de aprender.’ Por que o senhor não levava no posto de saúde? ‘Não, tem um médico, um dos amigos meus, que vem aqui de graça tratar da pessoa’”, revelou o defensor, durante um debate sobre o trabalho escravo no ambiente doméstico na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, em maio do ano passado.
Apesar do Ministério Público do Trabalho concluir que a mulher foi realmente escravizada, o ministro Mauro Campbell Marques do Superior Tribunal de Justiça (STJ), discordou e permitiu que Sônia voltasse à casa dos investigados se quisesse, o que aconteceu. Sônia continua na casa da família Borba desde então, após o desembargador e a esposa afirmarem que Sônia é da família.
Depois da mulher voltar para a casa dos investigados, familiares de Sônia criaram a campanha #Sonialivre nas redes sociais, pedindo que a mulher seja retirada da casa do desembragador. Segundo a irmã mais nova da Sônia, Marta de Jesus, a mãe delas, Deolina Ana de Jesus, passou a vida inteira procurando pela filha.
Ela conta que Sônia foi levada quando tinha 9 anos de idade sem o consentimento da família, em Osasco (SP).“Essa era a busca constante. Dava o endereço que não existia, e aí nós íamos até o endereço e não tinha ninguém. Dava o telefone que não existia. E assim foi a saga da minha mãe até a morte dela. A minha mãe dizia, eu vou morrer e não vou rever a minha filha. E assim aconteceu”, disse Marta, no debate do Senado.
Com a campanha, o Projeto de Lei 3351/2024 foi entregue ao Congresso Nacional, com diretrizes
e ações para o atendimento das trabalhadoras resgatadas em situação análoga à escravidão em ambiente doméstico e tráfico de pessoas. O projeto foi chamado de Lei Sônia Maria de Jesus, e também determina medidas para a plena ressocialização dessas pessoas.