O relatório “Justiça Hídrica e Energética nas Favelas: Levantando Dados Evidenciando a Desigualdade e Convocando para Ação”, foi lançado na última quinta-feira (22), foi desenvolvido pela Rede Favela Sustentável, em parceria com o Painel Unificador das Favelas, e conta conta com a colaboração de mais oito instituições cariocas. O estudo é fruto do curso “Pesquisando e Monitorando a Justiça Hídrica e Energética nas Favelas” e foi realizado em 15 favelas do Rio de Janeiro.
O levantamento revela que 42,5% dos entrevistados sofreram para fazer a higiene básica durante a pandemia devido à falta de água. Além disso, quase metade (48,2%) dos entrevistados dependem de bombas para ter acesso à água, gerando um custo adicional nas já alarmantes contas de luz.
Além disso, outra questão bastante destacada foi o problema dos alagamentos, que afetam a vida de mais da metade (51,5%) dos entrevistados. A perspectiva majoritária destes, com mais de 80%, é de que esse problema das enchentes piorou nos últimos dois anos.
Para Alan Brum, um dos representantes do Instituto Raízes em Movimento, do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro e participante do estudo, ressalta que desde o início do processo de favelização do Brasil, as periferias sofrem com a falta de estrutura básica para seus moradores. Os negros, principalmente, foram “empurrados” para regiões mais distantes dos grandes centros, como um processo de eugenia e embranquecimento da sociedade.
“Os direitos básicos da população dessas áreas foram negligenciados por governos e concessionárias de serviços públicos. A falta de dados nas favelas reflete na ausência de políticas públicas estruturantes e sobre a importância de produzir dados sobre a realidade da favela através de como ela é percebida pelos
próprios moradores”, afirma Alan.
Energia e pobreza elétrica
Quanto aos dados coletados sobre luz, avaliando-se o peso no orçamento familiar, foi descoberto que 56,8% dos entrevistados vivem em situação de pobreza energética em nível moderado a grave. Igualmente preocupante foi a resposta de que quase 70% dos entrevistados gastariam mais com alimentos caso suas contas de luz fossem reduzidas, o que expõe novamente a grave crise de insegurança alimentar que a população vem enfrentando.
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Sobre os apagões, descobriu-se que 32,2% dos entrevistados sofreram com falta de luz nos últimos três meses e que para 43,4% demora mais de seis horas para retornar. “Se eu utilizar bomba para puxar água, eu tenho que ter luz para ter água. Acaba ficando uma coisa muito puxada. O problema é interligado”, afirma Domênica Ferreira, moradora do Morro dos Macacos, também na Zona Norte da capital fluminense.
Em 2021, a interdependência entre a água e a luz no Brasil tornou-se gritante devido ao aumento de ambas as contas, gerado pela crise hídrica nacional. Com baixos índices pluviométricos, as barragens esvaziaram, reduzindo a capacidade das usinas hidrelétricas em gerar eletricidade. Segundo Amanda O’Hara, representante do Instituto Clima e Sociedade, do bairro Humaitá, zona Sul do Rio, os dois serviços são interdependentes e impactam diretamente a vida das populações periféricas.
“Energia e água são dois recursos intrinsecamente dependentes. Especialmente no Brasil e, especialmente, em comunidades de baixa renda”, comenta.
O Curso
A formação “Pesquisando e Monitorando a Justiça Hídrica e Energética nas Favelas” foi o ponto de partida para a pesquisa ser realizada. Ao todo, 45 alunos de 15 favelas realizaram entrevistas em 1.156 residências, abrangendo 4.164 pessoas, entre os meses de maio e junho deste ano. Além disso, o curso gerou um vídeo institucional que pode ser assistido no Canal do YouTube da Rede Favela Sustentável.
Outro dado revelado pela pesquisa é em relação ao Cadastro Único Para Programas Sociais (CadÚnico). De acordo com o levantamento, 59,6% das famílias cumprem os requisitos para serem registradas no Programa, mas praticamente metade (48.8%) dos que cumprem os requisitos ainda não se registrou.
“O curso representa um impacto, me ajudou a conseguir mudanças em alguns jovens do meu território. Quero levar isso para a vida para encontrar uma solução. E expor os problemas apresentados”, revela Matheus Botelho, da comunidade da Coréia, em Mesquita, na Baixada Fluminense.
“Através do curso eu posso levar esse entendimento para as pessoas daqui, que elas podem fazer mais pela comunidade, que elas podem inclusive economizar na casa delas, que a gente pode buscar os nossos direitos, que a gente tem o dever de buscar os nossos direitos, que tem sim como economizar, tem sim como fazer as coisas para a nossa comunidade, por mais que pareça que não pode”, finaliza Domênica Ferreira, do Morro dos Macacos.
Imagens do curso, realizado nas comunidades cariocas – Fotos: Catalytic Communities
As comunidades participantes, no município do Rio de Janeiro foram: Cidade de Deus, Complexo da Pedreira, Itacolomi, Jacarezinho, Morro dos Macacos, Pavão/Pavãozinho/Cantagalo, Providência, Rio das
Pedras, e Vila Cruzeiro; e na Baixada: Coréia/Mesquita, Cosmorama/Mesquita, Dique da Vila Alzira/Duque de Caxias, Edem/São João de Meriti, Engenho/Itaguaí, e Jacutinga/Mesquita.
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