A Editora Companhia das Letras decidiu recolher das livrarias e retirar da página de e-commerce do seu site o livro infantil “ABECÊ da Liberdade: A história de Luiz Gama”. Escrito por José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, o livro foi publicado em 2015, pela editora Objetiva e incorporado ao catálogo da Companhia das Letrinhas em 2020, quando a Objetiva foi adquirida pelo grupo Cia das Letras. Ao todo, a obra vendeu mais de dois mil exemplares em todo o Brasil e mostra crianças brincando em navio negreiro.
Para o doutorando em Antropologia pela USP (Universidade de São Paulo) e pai de um menino de 7 anos, Lourival Aguiar, a publicação chega a ser constrangedora. “Como pai e pesquisador de relações raciais, foi constrangedor ler o livro. O maior problema, para mim, é a romantização deste período de terror da história do Brasil. A maneira como está colocado no texto e nas ilustrações tira a importância do que foram esses fatos. A escravização foi real. O sofrimento foi real e deixou marcas históricas na forma como o negro é visto”, lamenta.
Em determinada passagem do livro, os autores escreveram que “a viagem pelo mar foi tranquila. Não houve nenhuma tempestade e o navio quase não balançou. Eu, a Getulina e outras crianças estávamos tristes no começo (…) passamos a brincar de pega-pega, esconde-esconde, Escravos de Jó (o que é bem engraçado porque nós éramos escravos de verdade) e até pulamos corda”. O texto é acompanhado pela imagem de 5 crianças brincando, felizes, em um navio negreiro.
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Em nota enviada à reportagem do site Uol, a Cia das Letras informou que lamenta que este, ou qualquer outro conteúdo publicado pela editora tenha causado dor ou constrangimento aos leitores e às leitoras. “Infelizmente, esse título não passou por revisão ao ser reimpresso com o novo selo. Mas, quando nos chegou a crítica vinda da leitora que procurou o UOL, ele já estava em processo de releitura interna, que em breve seria repassada aos autores. Assumimos nossa falha nesse processo e estamos em conversa com os autores para a devida revisão do livro. Esta edição está fora de mercado e não voltará a ser comercializada”, afirma Isabela Santiago, da divisão infantil de Marketing da editora.
Em resposta aos questionamentos do Uol, um dos autores do livro, Marcus Aurelius Pimenta disse que a produção não foi acompanhada por um especialista ou autor negro. “É difícil uma pessoa não se emocionar com a história [de Luiz Gama] e comigo não foi diferente. O José Roberto Torero também se encantou com o personagem e fomos fazer as pesquisas. Não havia muitas fontes, nem tantas informações novas, mas era o suficiente para se preparar uma estrutura“, explica.
Para José Roberto Torero, o livro é uma ficção. “[o livro] foi reescrito dez vezes até a versão final. É um romance, uma obra de ficção. Não há a busca de exatidão histórica. A ideia é ter liberdade para criar”, argumenta.
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