Durante um evento preparatório para a COP 30, realizado em Belém, a dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ayala Ferreira, destacou, em exclusiva ao Notícia Preta, a necessidade de ampliar o debate sobre a crise climática e seus efeitos sociais para além da responsabilização de governos específicos.
Segundo ela, “o problema que vivemos hoje vai além de um presidente ou de um governo” e está diretamente vinculado à lógica de mercantilização da natureza e do território. Ferreira ressaltou que o atual contexto brasileiro é marcado por disputas em várias dimensões, inclusive sobre “o sentido de governo”.

Embora tenha apontado avanços e reconhecido que o governo Lula ainda representa uma base de diálogo, a dirigente do MST criticou a condução de políticas públicas fortemente influenciadas por interesses privados. “É fundamental problematizar essas decisões que são tomadas em sintonia com o setor empresarial e sob pressão de outros grupos políticos que acreditam nesse modelo de funcionamento”, afirmou.
Para a liderança, os impactos não são apenas ambientais, mas também sociais, atingindo comunidades diretamente. Ferreira citou que projetos de desenvolvimento inviabilizam a existência de povos que lutam pela reforma agrária, pela demarcação de terras indígenas, pela titulação de territórios quilombolas e pelo fortalecimento de cidades mais inclusivas. “Nosso desafio é muito maior: fazer a crítica ao governo, à iniciativa privada e ao modelo capitalista que impõe limites à sociedade, mas também apresentar uma alternativa concreta”, disse.
Privatização e desigualdade
Um dos pontos centrais das críticas de Ferreira foi a relação entre privatizações e exclusão social. Para ela, a privatização não se limita a estatais ou serviços públicos, mas está presente em processos de concentração fundiária e especulação imobiliária.
“Quando você vê trabalhadores sem terra, é a expressão concreta de que o latifúndio prevaleceu e a privatização da terra se consolidou. Quando as famílias enfrentam dificuldade para morar porque o aluguel está caro ou porque não existem casas disponíveis, é também o resultado da privatização do setor imobiliário”, afirmou.
Segundo a dirigente, a lógica da privatização gera “privações” para a maioria da população, enquanto beneficia uma minoria. Essa realidade, apontou, atinge tanto quem vive no campo quanto nas cidades. “Privar o direito das pessoas de viverem em seus territórios é a expressão concreta da violência que as privatizações representam”, reforçou.

O papel da COP 30
Ferreira também refletiu sobre a importância da COP 30, marcada para 2025 em Belém. Para ela, o evento acontece em meio a um cenário de crise do multilateralismo e avanço do negacionismo climático, frequentemente impulsionado pela extrema direita. Além disso, criticou a atuação da iniciativa privada que, segundo ela, busca se apropriar do espaço para apresentar “falsas soluções”.
Apesar disso, a dirigente acredita que a conferência pode ser um momento decisivo para articular lutas sociais. “Nossa expectativa é transformar a COP em um espaço de mobilização e convergência, onde possamos pautar as reais necessidades das populações mais afetadas pela crise climática”, afirmou.
Ferreira ressaltou ainda que a participação popular será fundamental para fortalecer o caráter do evento. “Temos cor, temos classe, temos raça. Somos sujeitos duramente atingidos por essa lógica de mercantilização e precisamos fazer valer nossas vozes diante de um projeto de sociedade que seja de fato sustentável e justo”, disse.
Crítica estrutural
Ao longo de sua fala, a representante do MST insistiu que o debate não deve se limitar a culpabilizar governos pontualmente, mas a enfrentar um modelo econômico global. Para ela, é preciso pensar em um projeto mais amplo, capaz de oferecer alternativas à lógica capitalista. “O desafio é maior do que encontrar um culpado imediato: é construir coletivamente um projeto de sociedade que enfrente as desigualdades, preserve a natureza e garanta direitos”, concluiu.
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